Se permaneceres nEle e Ele em ti, nEle e por Ele tudo farás. O muito te será pouco e o pouco muito será, pois nada do que por Ele deixares falta alguma de há de fazer, e do nada que tu és tanto Ele há de tirar, que incomensurável surpresa –  oh!, maravilha! -, seguramente terás.

Dom Cristiano Yepes

Amanhecera e, como estivesse cansado, embora já tendo me levantado, resolvi deitar e dormir mais um pouco. Há muito percebi que há algumas posições que favorecem determinados tipos de sonho. Sigmund Freud, no seu conhecido livro A interpretação dos sonhos, observa que determinados estímulos físicos provocam imagens diretamente relacionadas às características de tais estímulos. Além disso, porém, pelo menos comigo acontece de, se adoto certas posições ao me deitar para dormir, inevitavelmente terei sonhos com características mais ou menos semelhantes. Assim, por exemplo, se quero ter sonhos de cunho mais transcendente, procuro me deitar em decúbito dorsal. Nunca falha.

Pois bem, esta manhã, assim deitado, adormeci. Eis que de repente, sem que eu visse qualquer imagem, ouço, em sonho, uma voz que identifiquei imediatamente como sendo a de Dom Cristiano Yepes. Sua voz firme, porém, suave, se fez ouvir nitidamente. Logo que a voz silenciou acordei. Ainda deitado, rememorei as palavras, uma a uma, na sequência exata que haviam sido pronunciadas. Sentei na cama e pensei: “Preciso anotar estas palavras no Diário do Caminho, antes que se percam”. Corri para a biblioteca. Anotei o que Dom Cristiano transmitira no sonho. Ao ler o que escrevera, percebi que se tratava de um paradoxo, bem ao estilo daqueles propostos por alguns místicos. Como ainda sentisse sono, preferi fechar o Diário e voltar para a cama.

Ao adormecer, mantendo a mesma posição anteriormente adotada, recebo a visita de uma figura igualmente familiar. Tratava-se do velho Artaban. Não sei precisar ao certo em que ambiente me encontrava, quando, no sonho, Artaban apareceu bem à minha frente e falou: “Vejo que recebeste uma visita ainda há pouco. Parece que aquele que vens tratando como mestre resolveu te trazer um presentinho. Queres saber uma coisa? Ao que tudo indica, não tens mesmo outra escolha, não é, meu caro amigo?  Suponho que comeces a perceber que não podes mais protelar a decisão há muito cortejada mas sempre adiada. Veja, meu caro, o livre-arbítrio é um fato, e a decisão é tua, somente tua. Com certas coisas não se brinca…” 

Acordei assustado, como se tivesse ainda a figura de Artaban fitando-me com aquele olhar cortante como um fio de navalha. Rememorei suas palavras. A exemplo do que fizera há pouco menos de uma hora, corri para a biblioteca, precisava anotar aquelas palavras antes que se perdessem.  

Logo hoje fui ter estes sonhos… Algo muito novo se insinua e eu ainda não sei o que é. Caramba!, que coisa! Continuo com o paradoxo oferecido por Dom Cristiano ecoando em minha mente.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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