Resistimos à nossa trilha, ao nosso destino, por causa do medo. E nunca é demais enfatizar o medo e o tremor que podemos sentir quando recebemos o chamado para deixar para trás a segurança. Essa é, para a maior parte de nós, uma experiência assustadora: estamos desesperados para saber que as coisas vão dar certo, mas tudo o que conseguimos ver é o abismo. A jornada exige que nos desapeguemos dos fundamentos de quem fomos e do que temos acreditado sobre nós mesmos e sobre a vida. Queremos ter a certeza de que não seremos aniquilados pelo caminho.

 

Kathleen A. Brehony

[Brehony, Kathleen A. Despertando na meia-idade: tomando consciência do seu potencial de conhecimento e mudança. Tradução Thereza Christina F. Stummer. – São Paulo: Paulus, 1999, p. 45.]

Em todas as sociedades humanas encontramos relatos que falam do herói que ouve um chamado para que deixe sua terra e se aventure por regiões distantes em busca de algo valioso. Em geral, o herói que parte nessa busca tem que enfrentar muitas dificuldades e perigos, não raras vezes manifestados sob a forma de monstros ou forças maléficas. Em todos esses relatos, vencidas as dificuldades, durante as quais o herói tem que demonstrar o seu valor, o aventureiro retorna à sua terra, à sua casa, portando algo valioso para si e para os outros. Um dos mais belos exemplos dessa categoria de mitos nos foi legado pela cultura grega, com o mito de Jasão e o velo de ouro.

O que escrevi acima constitui uma síntese do chamado mito do herói, largamente estudado pelo grande mitólogo Joseph Campbell. Antes dele, o psicólogo suíço Carl Gustav Jung dedicou alguns estudos ao tema. Na verdade, essa jornada heroica por terras desconhecidas é vivida por todos, mesmo que disso não nos apercebamos. Se pararmos para pensar na história de vida de cada um de nós, perceberemos que houve momentos em que sentimos um forte apelo a mudar de vida, a fazer algo diferente, a dar uma guinada, como se diz popularmente. De acordo com Jung, uma das fases da vida em que tal chamado se faz sentir de forma mais forte, mais imperativa, situa-se entre os 35 e os 50 anos, quando a maioria das pessoas está atravessando a fase da vida que se tornou conhecida como meia-idade.

Nessa fase, de uma forma ou de outra, a maioria das pessoas começa a se colocar uma série de questões que demandam uma resposta. Geralmente são questões que repercutem profundamente na dimensão existencial da pessoa. A maior de todas elas, seguramente, é a que diz respeito ao sentido da vida. Quer queiramos ou não admitir, a finitude se coloca como perspectiva nesta fase da vida. Dessa percepção surge a inevitável questão: qual o sentido da minha vida? É a essa questão que a maioria das pessoas, já estando a esta altura com uma vida relativamente estabilizada, terá que responder.

O pior é que essa não é uma questão que nos coloquemos ociosamente, por simples curiosidade. Ela brota do âmago de nós mesmos, como um eco que se faz ouvir emanando das profundezas do ser. Geralmente ela vem acompanhada por sentimentos difusos e indefinidos, como insatisfação, sensação de vazio e falta de sentido, tédio e, em casos mais graves, depressão. Da resposta que o sujeito der a toda essa situação caótica em que se vê metido, dependerá a segunda metade da sua vida.

Como apregoa Jung, quando alguém começa a se sentir conforme acima descrito é indício de que forças inconscientes estão se fazendo notar. Geralmente algumas dimensões da existência que foram negligenciadas durante a primeira metade da vida estão clamando para serem considerados. Ao contrário do que muitos poderiam supor, este momento de crise não deve ser encarado como uma dificuldade, mas como uma grande oportunidade para que o sujeito cresça, se permitindo dar o grande salto que o fará ter acesso à segunda idade adulta, quando começa, de fato, a grande aventura da vida. Nesse momento, resistir ao imperativo da mudança de nada vai servir, pois será apenas uma forma de adiar o enfrentamento de uma situação que pode se revelar tanto fonte de cura quanto de doença, dependendo apenas de como os desafios forem encarados.

Para os que conseguem vivenciar a crise da meia-idade como um rito de iniciação à maturidade, os resultados podem ser surpreendentes. Nos próximos meses, pretendo postar outros textos dando continuidade a este assunto que me causa imenso fascínio, o qual venho estudando há alguns anos.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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