Em Deus se  mira e para sempre se mirará… Ele é o primeiro a olhá-la, como pai que se encontra em seu filho. Filha de Deus, Maria é seu reflexo, sua imagem, seu espelho. Se ela não é a Palavra, é entretanto uma palavra de Deus, a fim de testemunhar a Palavra. Como o Filho faz ver o Pai, a filha irradia o Filho. Do Pai ao Filho e do Filho a Maria há um jogo idêntico de espelhos. A complacência do Pai é toda inteira por seu Filho (cf. Mateus 3,17 e 17,5). Mas a do filho, ela se derrama sobre Maria antes de transbordar sobre todos os homens. Maria, a Bendita entre todos, é o primeiro espelho de Cristo, imagem da Imagem, verdade primeira sendo o fruto da verdade, de seu filho que é a verdade em si, absoluta, divina.

Pe. Jean-Marie Burucoa

[Burucoa, Pe. Jean-Marie. Espelhar-se em Maria. Tradução de Alexandre Alves de Almeida. – São Paulo: Editora Ave-Maria, 2005, p. 49. – (Série Virgem Maria; 6)]

Que livrinho pai-d´égua! Foi isso que pensei ao concluir a leitura de Espelhar-se em Maria. Este é o sexto livro da Série Virgem Maria, coleção de sete livretos publicados pela Editora Ave-Maria, os quais venho comentando nas últimas semanas. No próximo sábado deverei falar do sétimo e último volume da coleção. Mesmo admitindo a beleza de todos eles, apreciei especialmente este que ora lhes apresento. Realmente um texto maravilhoso, escrito de forma poética e muito inspirado. O Padre Jean-Marie Burucoa, autor do livro e monge beneditino da Abadia de Belloc, é capelão das monjas beneditinas de Santa Escolástica d´Urt, responsável pelos Oblatos e pela revista Voix de Belloc.

Dividido em dez pequenos capítulos, ao longo deles Pe. Jean-Marie discorre sobre a figura de Maria como modelo no qual deve espelhar-se todo discípulo de Cristo. Embora seja em sua íntegra um texto de grande beleza, apreciei em especial o capítulo III, intitulado Corpo para a fé. Quando se pensa na fé, é comum supor que se crê com o raciocínio, como se a fé fosse um exercício da razão, da mente. A novidade do capítulo aludido está na forma como o autor trata a fé em sua relação com o corpo. Diz ele: “Se Maria é nosso modelo gestante é por sua fé. Nela nós vemos unirem-se natureza e graça. Não somente por sua maternidade que chama seu corpo na fé, mas por sua própria fé que também chama seu corpo” (p. 15).

Achei extremamente original essa ideia: crer com o próprio corpo. Isso nunca me ocorrera, fazer do corpo um instrumento da fé. “Assim”, sugere o autor, “o corpo participa da fé, a natureza do sobrenatural. Longe de se oporem, o corpo e a alma – que compõem nossa natureza – se fazem um igualmente com a ascendência da graça” (p. 15).

Embora seja comum pensar o natural e o sobrenatural como duas realidades distintas que, por sua vez, determinaria algo como duas naturezas também distintas no ser humano, diz Pe. Jean-Marie: “O sobrenatural não cria em nós uma segunda natureza, uma sobrenatureza. Nós não temos senão uma natureza aberta ao sobrenatural, à graça, para se aperfeiçoar em Deus, desabrochar na divinização” (p. 16).

No caso de Maria, a crença não é um ato apenas do intelecto: “Maria crê com seu corpo que vê, escuta, constata, registra”. Em que pese tal afirmação, nem por isso o intelecto é dispensado: “E com sua razão que medita, escruta, procura compreender. Ela teria podido dizer antes de Santo Agostinho e de Santo Anselmo: ´Eu procuro compreender para crer, e crer para compreender´ (a razão serve à fé e a fé serve à razão)” (p. 17). Para Maria – espelho da fé por excelência -, “como para nós, a fé não é bem-aventurada e possessiva, mas uma caminhada trabalhosa da obscuridade para a luz” (p. 16).   

About the Author

Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

View All Articles