De fato, não foi mediante a Lei que se fez a promessa a Abraão, ou à sua descendência, de ser o herdeiro do mundo, mas por meio da justiça da fé. Porque, se os herdeiros fossem os da Lei, a fé ficaria esvaziada e a promessa sem efeito. Mas o que a Lei produz é a ira, ao passo que onde não há lei, não há transgressão. Por conseguinte, a herança vem pela fé, para que seja gratuita e para que a promessa fique garantida a toda a descendência, não só à descendência segundo a Lei, mas também à descendência segundo a fé de Abraão, que é o pai de todos nós, conforme está escrito: Eu te constituí pai de uma multidão de nações – nosso pai em face de Deus em quem creu, o qual faz viver os mortos e chama à existência as coisas que não existem. Ele, esperando contra toda a esperança, creu e tornou-se assim pai de muitos povos, conforme lhe fora dito: Tal será tua descendência.

São Paulo

[São Paulo. Epístola aos Romanos, 4,13-18. Bíblia de Jerusalém. Gorgulho, Gilberto da Silva; Storniolo, Ivo; Anderson, Ana Flora (Coord.). Tradução do texto em língua portuguesa diretamente dos originais. 4ª reimpressão.  São Paulo: Paulus, 2006, p. 1972.]

Muitas vezes tenho me perguntado até que ponto a fé é necessária à vida. Quais seriam as possibilidades de viver sem fé? Sabe-se que hoje está em vias de estruturação um  movimento que advoga explicitamente o ateísmo como filosofia de vida. A par disso, saliente-se o s grandes males que têm sido perpetrados em nome da religião. As grandes religiões monoteístas – Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, sobressaem como as maiores responsáveis por tais males.

Por outro lado, embora muitos estudiosos tenham defendido – e outros tantos  ainda insistam em fazê-lo – a tese de que a religião tenderia a desaparecer, não é o que se tem verificado, de fato. Parece-me que as grandes religiões instituídas talvez tenham sofrido um decréscimo no número de fiéis, especialmente a  Católica Apóstólica Romana. No entanto, outras formas de religiosidade, ou, se preferirmos, de espiritualidade, vieram ocupar-lhe o lugar. Fazendo-se uma análise do que tem acontecido especialmente a partir da década de sessenta do século passado, é inegável que houve um retorno maciço a práticas religiosas ditas pagãs.

Não se trata aqui, em minha breve análise, de criticar a postura dos que buscam outras formas de expressão de seus anseios espirituais. Trata-se, isto sim, de registrar uma observação calcada em fatos, e, conforme o popular jargão, contra a evidência dos fatos não há argumentos possíveis. Admitida a veracidade da premissa, resta uma indagação: por que essa ânsia tão grande das pessoas por algo que lhes permita uma possível conexão com o Sagrado?   

Uma possível resposta seria que esta ânsia é inerente ao ser humano. Por mais que ele tente, jamais conseguirá se desvencilhar totalmente dessa necessidade. Penso que se pode aduzir aqui uma possível explicação para isso. A realidade da vida, tal qual se apresenta  no dia a dia, é muito dura, muito crua, desesperadora mesmo. Ante tal constatação, resta ao ser humano buscar algo mais que lhe faculte uma possível saída para este desespero. E ao desespero – caso não se queira enveredar pelo beco sem saída de encontrar diante de si apenas um intransponível muro, para falar em termos sartreanos -, há que responder com a esperança.

Uma objeção, porém, pode ser aqui posta: quer dizer que a única esperança possível está na religião? Eu responderia que não, que provavelmente haja outras alternativas, e algumas pessoas podem até ter sido agraciadas com o acesso a tais alternativas. Em assim sendo, melhor para elas, que sejam felizes com a alternativa que lhes foi oferecida.

De minha parte, porém, posso afirmar que não é esse o meu caso, bem como o de inúmeras outras pessoas, disso não tenho dúvidas. Para mim, a única forma viável de me manter esperando contra toda a esperança é pela experiência do Sagrado. Este pode ser experienciado de diversas formas e se manifesta sob roupagens diversas, daí porque há uma diversidade tão grande de religiões. Reportando-me mais uma vez à minha experiência pessoal posso afirmar que, nesse caso, a tentativa de uma aproximação do Sagrado só se tornou viável na perspectiva cristã , embora isso não constitua um impedimento para que eu me valha, quando  tal se faz necessário, de alguns elementos tomados de empréstimos a outras religiões e espiritualidades. Daí porque posso afirmar que, para mim, as palavras do apóstolo Paulo na Espístola aos Romanos, acima citadas, são expressão de uma verdade – da minha verdade.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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