Certa vez, ao final de um show no bistrô que ficava dentro da loja Modern Sound, em Copacabana, fiquei escutando enquanto uma repórter entrevistava a grande cantora da bossa nova Leny Andrade. A repórter fez uma daquelas perguntas de praxe sobre se a cantora sentia algum nervosismo em dia de estreia etc., e Leny nem esperou que ela terminasse. Foi logo dizendo: “No instante em que piso no palco, estou segura. É como chegar em casa.”

Ao ouvir isso, lembrei-me de uma frase parecida que já ouvi de Ruy Castro, ao falar sobre como se sente dentro de uma livraria: “Tenho a sensação de que,  ali dentro, nada de mal pode me acontecer. Eu me sinto cercado de amor.”  Segundo ele, há uma explicação para isso: é que as pessoas que se envolvem com livros – escritores, editores, livreiros, compradores – são, em 90% dos casos, apaixonadas por leitura. Donde, os livros transpiram esse amor.

Heloisa Seixas

[Seixas, Heloisa. O prazer de ler. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2011, Capítulo: Um lugar de amor, p. 37. – (Prazeres).]

A Casa da Palavra é uma editora que tem se dedicado à edição de livros que têm por foco exatamente o livro e a leitura. Em minha biblioteca enfileiram-se algumas dessas  maravilhas constituídas pelas publicações da Casa. São obras cuja leitura, para pessoas que incluem dentre suas paixões o livro, sempre constituem fonte de imenso prazer.  

Pois bem, há alguns dias estive na Livraria Arte e Ciência, do meu amigo Vladimir, para pegar uma publicação que lhe havia encomendado. Encontrava-me já à saída da loja quando Vladimir interpelou-me com essas palavras: “Vasco, recebi um livro que tenho certeza que você vai querer levar”. Interrompi os passos e me voltei para o livreiro, que já me apontava um pequeno livro sobre uma gôndola. Foi só pegá-lo para concluir logo que a beleza da capa já constituiria motivo suficiente para adquiri-lo. Depois de ler as orelhas, abri aleatoriamente na página 13, por coincidência a primeira página do capítulo que tem o sugestivo título de “O livro amado”, em cujo primeiro parágrafo escreve a autora:   

“Escritores – e leitores também, por que não? – são indivíduos idiossincráticos. Já me disseram que a escritora Alma Mahler guardava na sala de sua casa o berço em que dormira na primeira infância, cheio de livros. Era um berço antigo de madeira, desses que balançam ao mais leve toque. Nele, Alma embalava seus livros como se fossem um bebê.”

A seguir, passei algumas páginas e cheguei ao capítulo da página 37, em que a autora fala das livrarias como sendo “Um lugar de amor”, cujos dois parágrafos iniciais transcrevi no início desse texto. No capítulo seguinte, “Livros com alma”, ela fala dos sebos e da aura que envolve os livros que são vendidos nesse tipo de livraria:

“E se as livrarias são lugares de amor, o que dizer dos sebos? Muita gente diz que nos sebos os livros têm alma. É verdade. Os livros usados, que pertenceram a outras pessoas, que tocados por mãos desconhecidas, exibem uma aura, uma personalidade que os novos não têm. É como se deles se desprendessem os eflúvios de seus antigos donos, que ali naquelas páginas buscaram refúgio, nelas deixando impressas suas dores, alegrias, esperanças, inquietações” (p. 41).

Heloisa Seixas  é escritora carioca, autora de mais de dez livros, tendo sido por três vezes finalista do Prêmio Jabuti (com os livros Pente de Vênus, A porta e Pérolas absolutas).  Heloisa, que durante dez anos escreveu a coluna “Contos mínimos” na Folha de São Paulo e no Jornal do Brasil, é também autora de um livro de não ficção sobre o mal de Alzheimer, O lugar escuro.

O prazer de ler é um desses livros que, uma vez lida a primeira linha, não se consegue mais largar até a conclusão, o que, afinal, acabamos lamentando, pela saudade que fica. No último capítulo, “Numa ilha deserta”, escreve Heloisa: “Sei que é um clichê, mas não posso resisitir à tentação de, neste finalzinho, fazer a minha lista de livros – clássicos ou não – que levaria para uma ilha deserta. Listas assim são sempre muito pessoais, claro, e alguns livros incluídos (e também algumas ausências) podem soar como heresias para os literatos mais ortodoxos. Mas, como eu já disse no capítulo sobre o livro amado, leitores são mesmo idiossincráticos” (p. 55).

Quanto aos sessenta e oito livros que compõem a lista de obras que Heloisa levaria para uma ilha deserta, os quais ela cita e comenta, não revelarei aqui; quem quiser conhecer a diversificada seleção proposta pela autora, vai ter que se debruçar sobre as páginas de “O prazer de ler”.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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