O cearense nasce, vive e morre na rede amiga, que é a companheira de todas as horas de descanso e de fazer amor. Antes de dormir, se há calor, tem o balanço para refrescar, ao ranger de armadores.

No sertão, a gente vê, às vezes, à margem do caminho, aqueles cortejos fúnebres que transportam, numa rede, o defunto, e, quando não é afortunado, a rede volta para servir à família. No sertão e nas serras, eles transportam também os doentes, em redes, que seguem protegidos por um guarda-sol.

Se há goteira, muitas vezes, é armada outra rede por cima de outra mais alta, aberta com cabos de vassouras, formando um toldo. O balanço da rede também serve para embalar as dores do mundo. Com a convivência, a gente acha a posição para ler, dormir, coçar o dedinho do pé, para descansar e amar.

Roberto Gaspar

[Gaspar, Roberto. A menina do vaporub ou o amor na hora do angelus.  2ª. ed. Fortaleza: Tipografia Progresso, 2011. A Rede da Goteira, p. 37.]

O meu encontro com o autor de que trato neste texto se deu de forma muito curiosa, aliás, de forma sincrônica, seria melhor dizer, para ser fiel ao conceito junguiano que serve de título a este blog. Há dez anos, quando publiquei meu livro Viagem mística no Tibete, tive oportunidade de conhecer um certo Roberto que havia escrito um livro sobre o caminho de Santiago, intitulado Um homem em movimento. O fato, porém, é que só o vira uma vez,  neste caso, antes da publicação do livro, e nem mesmo tivemos oportunidade de conversar, pois o vi durante uma palestra que ele realizara em Fortaleza. A conversa entre nós aconteceria mais tarde, em 2002, após a publicação do livro, conversa que se deu através de telefone, estando o Roberto em Salvador e eu na praia do Iguape.

Pois bem, quinta-feira da semana passada, encontrando-me na fila de autógrafos durante o lançamento do livro do professor Ismael Pordeus sobre as festas de Iemanjá, me deparei  de repente com um senhor que saía da fila já com seu livro autografado. Quando ele se aproximou do lugar em que me encontrava, não me restando dúvida de que se tratava daquele Roberto que eu conhecera há dez anos, dirigi-lhe a palavra nestes termos: “Você é o Roberto…?” Antes que eu completasse a frase, ele respondeu afirmativamente com o sobrenome: “Gaspar”. Perguntei-lhe se ele já tinha ido ao Tibete e, sem entender nada do que eu estava falando, me respondeu que somente através de leituras. Falei-lhe que tenho o seu livro sobre o caminho de Santiago, Um homem em movimento e, mais uma vez, dando mostras de não saber do que se tratava, respondeu que o projeto do caminho de Santiago não fora realizado por ele.

Agora quem estava confuso era eu, e muito confuso, diga-se de passagem. De qualquer maneira, conversamos por alguns minutos e, quando lhe falei que tinha recebido um convite da desembargadora Gizela Nunes da Costa para ser membro da Academia Cearense de Hagiologia, ele me informou que também faz parte da Academia de Hagiologia, só que, no caso, da Academia Brasileira de Hagiologia. Perguntei-lhe se era permitido aos ingressos na Academia escolher seu patrono. Ele respondeu afirmativamente e, então, informei-lhe que o meu patrono, caso se consolide o meu ingresso, será Santo Antônio Maria Claret. Como ele dissesse não conhecer este santo, pedi-lhe o seu endereço e, no dia seguinte, lá estava eu deixando na caixa dos correios da residência do Roberto um exemplar da Autobiografia do Santo.

No dia seguinte, Roberto retribuiu a gentileza, presenteando-me três livros de sua autoria, os quais mandou deixar em minha residência por um mototaxista. Depois de folhear rapidamente cada exemplar, resolvi me iniciar no universo literário do autor por um que tem o curioso título de A menina do vaporub ou o amor na hora do Angelus. É um livro maravilhoso, no qual Roberto conduz o leitor por seu delicioso e hilariante mundo de “causos” os mais curiosos e pitorescos.

Roberto Gaspar, nascido em Fortaleza em 27 de junho de 1941, é comerciante e escritor. É membro da Academia Fortalezense de Letras e da Academia Brasileira de Hagiologia. Publicou os livros: Bárbara de Alencar – a guerreira do Brasil; A menina do vaporub ou o amor na hora do Angelus e Otimismo itinerante.  Recebeu Menção Honrosa com a crônica “Felizes retardatários”, no II Prêmio Ideal de Literatura, em 1999, e o primeiro lugar do V Prêmio Ideal de Literatura, em 2002, na categoria crônica inédita, com “A menina do vaporub ou o amor na hora do Angelus”, e Menção Honrosa, no mesmo ano, com a crônica “Entre o Sexo e o Altar”.

Numa das crônicas do livro, intitulada Felizes retardatários, a certa altura, escreve Roberto: “Fico alerta às conversas e para poder pertencer um dia ao Clube dos Leves, do Lúcio Brasileiro, não falo nem em hospital e nem de cemitério, pois, como diz minha santa sogra, colocando perfume nas orelhas: “Quem não é visto, não é lembrado!” Se alguém tocar no assunto de doença, especialmente cardiovascular, convido logo o cara para entrar no meu clube, O Clube dos cento e vinte anos, onde só pode entrar quem queira viver mais de cento e vinte anos, (…)”  (p.89).  

Depois de ler suas crônicas e causos, não tenho dúvida de que, com a leveza e bom humor demonstrados em seus textos, Roberto pode muito bem ostentar o título de presidente do Clube dos cento e vinte anos, pois seguramente o humor está elencado dentre as condições indispensáveis à longevidade.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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