(…) o simples fato de alguém viver a vida simbólica tem uma influência extraordinariamente civilizadora. Essas pessoas são bem mais civilizadas e criativas por causa da vida simbólica. As pessoas apenas racionais têm pouca influência; tudo nelas se resume a discurso e com discurso não se vai longe.

C. G. Jung

[Jung, C. G. A vida simbólica: escritos diversos. Tradução de Araceli Elman, Edgar Orth; revisão literária de Lúcia Mathilde Endlich Orth; revisão técnica de Jette Bonaventura. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. – (Obras completas de C. G. Jung; v. 18/1) III. A vida simbólica, p. 282.]

Num texto anteriormente postado neste blog tive oportunidade de me reportar à importância psicológica da experiência simbólica. Hoje, dando prosseguimento ao tema, quero falar um pouco sobre a importância social dessa mesma experiência.

Após uma conferência proferida em Londres, no dia 5 de abril de 1939, no qual Jung tratou da vida simbólica, seguiu-se um debate em que, ao responder a uma pergunta da plateia, o psiquiatra suíço ratifica a importância civilizadora desse tipo de experiência.

De fato, estudando a história das civilizações, facilmente se chegará à conclusão de que os grandes heróis civilizadores e fundadores de civilizações foram aqueles que, ouvindo os apelos emanados da dimensão mais profunda do psiquismo, onde têm origem os símbolos, deram vazão às vozes interiores, levando a efeito realizações surpreendentes que tiveram como consequência agregar grupos que, de outra forma, talvez não tivessem logrado sucesso em se manter coesos.

Os feitos da razão são estupendos, isso não se pode negar. Entretanto, a razão é limitada em suas possibilidades. Há outra dimensão do psiquismo que precisa se expressar, do contrário o ser humano corre o risco de fenecer tanto em termos individuais quanto coletivos. Daí porque as religiões jamais deixarão de existir. É evidente que as religiões, enquanto instituições, também não dão conta totalmente dessa categoria de experiência. Esse é também o motivo por que tem acontecido ao longo da história da humanidade de, mais cedo ou mais tarde, alguém que estava fortemente envolvido com uma determinada religião, de repente assumir uma nova perspectiva, passando, não raro, até mesmo a contestá-la.

É que o sagrado, como afirmou Roger Bastide, não se deixa dominar totalmente. Quando a instituição começa a tolher demais a livre expressão da experiência do sagrado, que se manifesta sempre por intermédio do símbolo, acontece uma insurreição, seja individual, seja coletiva.

Na verdade, em geral essa insurreição tem um determinado sujeito como pivô, como iniciador. É geralmente alguém que se antecipa a um anseio coletivo que vinha fermentando nas mentes, mas não lograra ser ainda explicitado. A expressão simbólica é, mais que uma opção, um imperativo, uma necessidade inerentemente humana. Daí porque Jung, respondendo a  outra questão na mesma ocasião acima mencionada, afirmou: “Quando o intelecto não está a serviço da vida simbólica, ele se torna demoníaco; ele torna a pessoa neurótica” (p. 283).

Diga-se, porém, à guisa de conclusão, que não é somente o indivíduo que é passível de se tornar neurótico; uma sociedade que dá as costas aos seus símbolos, ou insiste em negá-los, está fadada a se tornar, ela própria, enquanto coletividade, neurótica.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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