Não herdamos a sabedoria, temos de encontrá-la por nós mesmos após a travessia do árido e imenso vazio, na qual ninguém pode fazer nada por nós, da qual ninguém pode nos poupar, pois nossa sabedoria é o ponto de vista a partir do qual, finalmente, passamos a enxergar o mundo.

Marcel Proust (1871-1922)

[1001 pérolas de sabedoria budista: ideias que iluminam e trazem paz interior / selecionadas por The Buddhist Society; [tradução Clara Alain]. São Paulo: Publifolha, 2007; Sabedoria, 222.]

Muitas vezes tenho me perguntado, quando me deparo com determinadas situações que a vida me coloca no dia-a-dia, se com outras pessoas soe acontecer o mesmo que sucede comigo. Digo isso porque tenho verificado que na minha vida tudo é aprendizagem. Parece que até nas mínimas coisas, nos fatos mais triviais e prosaicos, tenho que passar por um processo de aprendizagem.

Isso me leva frequentemente a pensar: será que com os outros acontece da mesma forma?

Quando penso assim, algumas vezes me angustio, outras não, pois há ocasiões em que, apesar da difícil aprendizagem, por fim me congratulo comigo mesmo por mais uma conquista. De qualquer maneira, quando leio uma afirmação como a que pus em epígrafe a este texto, sinto-me um tanto mais tranquilo, pois concluo que a aprendizagem parece mesmo ser a condição sine qua non para quem quer aprimorar suas perspectivas e sua filosofia de vida.

Em consonância com o que escreveu Marcel Proust, o processo de construção de uma filosofia de vida pode ser equiparado à travessia de um árido e imenso vazio. É como se atravessássemos um inexorável deserto. E que aridez, meu Deus, temos que experimentar quando nos sentimos sós e sem ter a que nem a quem recorrer.  

Sim, porque nesse processo há ocasiões em que os outros pouco ou quase nada podem fazer, parecendo mais que a resposta somente pode ser encontrada por cada um de nós, carecendo para tanto descer ao âmago de nossa miséria e nudez, até que o insight enfim ocorra e a resposta surja.

Mas quando digo que é preciso descer ao âmago de nossa miséria, urge observar também que essa é uma miséria plena e rica de significados e possibilidades.  Nesse sentido, é miséria somente na aparência, pois se tivermos a disponibilidade para cavar fundo nesse terreno arenoso e movediço do deserto de nossa interioridade o resultado será a inevitável descoberta de um valioso tesouro.

E depois de tudo, não se pode fugir a uma indagação cuja resposta todos sabemos:  ouve alguém no mundo que tenha encontrado um tesouro sem que antes tivesse que atravessar mares e desertos, mesmo que fosse apenas para retornar e concluir que ele estivera o tempo todo enterrado no fundo do seu próprio quintal?

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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