E ao permanecerem ele, Frei Masseu, Frei Elias e alguns outros num lugar deserto, e estando num certo dia São Francisco no bosque para rezar, seus companheiros, que o tinham em grande reverência, temiam impedir de algum modo a oração dele, por causa das maravilhas que Deus lhe fazia nas orações.

Atos do Bem-aventurado Francisco e de seus companheiros

[Atos do Bem-aventurado Francisco e de seus companheiros, p. 1124. Em: Fontes Franciscanas e Clarianas. Apresentação Sergio M. Dal Moro; tradução Celso Márcio Teixeira… [et. al.]. 2ª. ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.]

Para os que professam a religião católica hoje é um dia muito especial, pois celebra-se a festa de São Francisco de Assis. Na verdade, embora eu tenha feito referência aos católicos, o poverello de Assis é uma dessas figuras extraordinárias que, devido ao seu estilo de vida e à sua mensagem, ultrapassam as fronteiras de religião ou nacionalidade, tornando-se patrimônio da humanidade.

São Francisco foi antes de tudo um homem extremamente sensível, grande conhecedor da psicologia humana sem que, para isso, tivesse sido necessário frequentar os livros ou universidades. O seu conhecimento da alma humana derivava do trato diário com os irmãos, o que lhe proporcionou a oportunidade de, ao conviver com pessoas de índoles tão diferentes, desenvolver uma admirável sensibilidade para com as multifacetadas nuances da personalidade humana.

A habilidade do santo no trato com os companheiros fica patente na leitura de suas primeiras biografias, escritas por alguns dos que tiveram a ventura de conviver diretamente com ele quando ainda em vida. A cada um ele se dirigia com as palavras e atos apropriados à índole do confrade, às vezes corrigindo, às vezes elogiando, mas sempre dando a cada um o que mais lhe fosse necessário na ocasião para o seu crescimento espiritual.

A par dessa admirável habilidade, um outro aspecto da personalidade de São Francisco que merece consideração especial é o trato com a oração. Poucos mestres podem ser considerados tão abalizados e tão recomendáveis a quem queira se adentrar esse universo.

São Francisco foi um homem que galgou o degrau máximo na prática da oração. De fato, pode-se dizer que sua vida foi hipostasiada na própria oração, chegando a um estágio em que já não havia diferença entre a experiência da vida profana e a da sagrada. Ele estava de tal forma  permeado pelo amor a seu Mestre, Jesus Cristo, que o viver era orar e o orar era viver.

Nos meus momentos de maior dificuldade nesse caminho, quando a aridez se faz presente e me sinto ameaçado de desistir do meu claudicante e atribulado sadhana, recolho-me ao silêncio e, abrindo o meu volume das Fontes franciscanas e clarianas, me imagino caminhando lado a lado com o poverello pelas colinas da Úmbria.

Nessas ocasiões, abro aleatoriamente o volume e sempre encontro palavras suas que me acalmam e confortam, e que têm sempre o condão de me repor de volta no caminho do qual insisto em me desviar.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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