Dai-me um homem de oração e ele será capaz de tudo.

São Vicente de Paulo (XI,83)

[Citado em: Renouard, Jean-Pierre. Orar 15 dias com São Vicente de Paulo. Tradução de Clóvis Bovo. – Aparecida, SP: Editora Santuário, 2004, p. 78. – (Coleção Orar 15 dias; 10)]

Desde que li pela primeira vez a frase acima, ela não mais me saiu do pensamento. Ela me levou a refletir reiteradamente por vários dias. O fato é que essa sentença me impactou bastante. Uma frase tão pequena e tão densa em significado, tão plena de possibilidades, se a considerarmos a expressão de uma verdade.

A questão que ela me colocou foi exatamente essa: será que, de fato, a oração pode tornar um homem capaz de tudo? O que São Vicente de Paulo afirma nessa frase é a expressão da verdade ou será que ela não passa de retórica, com vistas a incentivar as pessoas a orar?

Enquanto refletia, fui rememorando as muitas histórias que tenho lido sobre a oração. São histórias de feitos muitas vezes surpreendentes e extraordinários acontecidos não só aos  santos ou aos ascetas e místicos – tipos comumente devotados a uma intensa e profunda prática da oração -, mas a pessoas comuns, como eu e você.

A história está cheia de relatos de gente que conseguiu feitos supostamente impossíveis cuja realização atribuem a uma graça obtida por intermédio de fervorosas orações.

Falei de graças, mas isso não é tudo em termos de feitos considerados impossíveis e que se tornaram possíveis por meio da oração. Quando se fala de graças dessa magnitude, é comum se pensar logo em curas miraculosas ou outros fatos extraordinários. Há, no entanto, outra categoria de impossíveis obtidos por intermédio da oração. E estes talvez sejam não menos maravilhosos ou extraordinários, apenas acontecem de forma mais gradual, mais lenta, sub-reptícia, digamos, e por isso talvez sejam graças menos notadas, menos alardeadas.

Refiro-me às mudanças na forma de proceder, de comportar-se diante dos fatos da vida, no agir mesmo de uma pessoa, que pode ser profunda e radicalmente modificado pela prática da oração. Falo disso com conhecimento de causa, e posso garantir que o poder da oração como fator gerador de mudança de comportamento é, muitas vezes, tão extraordinário quanto o milagre mais sensacional que se possa imaginar.

Mudar comportamentos não é fácil, especialmente quanto se trata de hábitos profundamente arraigados e determinantes da visão de mundo da pessoa. Ao falar dessa categoria de comportamentos, refiro-me àqueles que constituem em sua quase totalidade o sustentáculo da filosofia de vida do indivíduo. É algo assim como se fosse a lente pela qual ele vê a vida. Nesse caso, a mudança se torna mesmo quase impossível, porque mudar o comportamento implica modificar também toda uma concepção de mundo, e às vezes até mesmo toda uma estrutura de vida.

Nesses casos, posso garantir, a prática profunda e, sobretudo, sistemática da oração tem o condão de produzir resultados surpreendentes. O grande segredo está nisso: a prática sistemática. A profundidade vem como consequência. Há níveis e níveis de oração, mas só logra atingir os graus mais profundos quem se dispõe a uma prática constante e diária.

É interessante observar que a medida que se vai descendo em profundidade, se aceitamos o convite e entramos de corpo e alma – sublinhemos bem essas duas palavras, pois não se trata aqui de metáfora: de corpo e alma – no processo, percebe-se logo que se vai aos poucos atingindo novos estágios. Isso acontece mais ou menos naturalmente, sem que se precise forçar nada, pois o que é requerido é apenas a entrega e a constância na prática.

Ao ascender a níveis superiores, chega um momento em que, sem se aperceber das mudanças que vinham se processando gradual e lentamente, se dá uma mirada para trás e, surpreso, exclama-se: “Eu não imaginava que a oração capacitasse uma pessoa a tanto!”

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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