É assim que se fala da “santidade original” de Maria, atribuída à obra do Espírito Santo, que a plasmou e dela fez nova criatura; do próprio Espírito Santo, que na anunciação consagrou e tornou fecunda a virgindade de Maria, transformando-a em palácio do Rei e tálamo do Verbo, templo ou tabernáculo do Senhor, arca da aliança ou da santificação (títulos patrísticos, mas ricos de ressonâncias bíblicas); da relação sublime existente entre o Espírito Santo e Maria, comparável ao aspecto esponsal, por causa da qual a Virgem foi chamada santuário do Espírito Santo, expressão que enfatiza o caráter sagrado da Virgem, que se tornou morada estável do Espírito de Deus; da plenitude de graça e da abundância de dons com que o Espírito enriqueceu a Virgem, de modo tal que ao Espírito Santo foram atribuídas a fé, a esperança e a caridade que animavam o coração da Virgem, a força que sustentava a sua adesão à vontade de Deus, o vigor que a mantinha de pé na sua compaixão junto a cruz; da particular influência do Espírito no Magnificat, em que Maria se faz porta-voz profética da palavra de Deus; da descida do Espírito no pentecostes, com Maria presente junto á igreja nascente, fundamento do recurso à intercessão da Virgem para obter do Espírito a capacidade de gerar Cristo na própria alma.

A. Amato

[Amato, A. Verbete: Espírito Santo, p. 458. Em: Dicionário de Mariologia. Dirigido por Stefano De Fiores e Salvatore Meo. Tradutores: Álvaro A. Cunha, Honório Dalbosco, Isabel F. L. Ferreira. – São Paulo: Paulus, 1995. – (Dicionários)]

Conforme o relato bíblico, Maria concebeu o Verbo sob o influxo do Espírito Santo. Esse pressuposto constitui, seguramente, um dos aspectos mais controversos e misteriosos da Encarnação de Cristo. E não poderia mesmo ser diferente. Uma Virgem conceber sem que haja o intercurso sexual é um fato duplamente perturbador. Primeiro, pela ausência do contato sexual, condição sine qua non para que a vida seja gerada. Segundo, pelo fato de, tendo gerado um filho, a mãe permanecer, ainda assim, virgem.

Essas questões têm sido objeto de polêmica e acaloradas discussões ao longo de séculos, sem, é claro, que se chegue a um consenso. Na verdade, é bobagem procurar um consenso sobre questões dessa ordem. Não há como resolvê-las racionalmente, porque racionalmente estamos lidando com impossibilidades.

Questões dessa monta se resolvem noutros planos, dos quais não há como fugir: ou se coloca a questão na perspectiva mítica ou na perspectiva da fé. Em ambos os casos, fica excluída a possibilidade de uma comprovação histórica do fato.

Ocorre que, na figura de Maria, tem lugar um evento em que a Trindade se manifesta de forma paradigmática. Uma mulher, ao acolher a vontade de Deus, gera em seu útero, sob o influxo do Espírito Santo, o Filho enviado por Ele com a missão de redimir a humanidade. Este fato pode ser elencado, provavelmente, como o mistério basilar de toda a história do cristianismo e seus posteriores desdobramentos.

Gosto muito de refletir sobre este mistério porque ele sempre me leva a questões que dizem respeito a aspectos muito presentes na vida de qualquer cristão que queira levar a sério a sua opção religiosa. Na verdade, talvez eu não possa usar aqui a palavra cristão de forma generalizada, porque, em se tratando da Trindade e da Virgem Maria, há pontos muito polêmicos entre as diversas Igrejas cristãs. Portanto, talvez fosse mais lícito me reportar à perspectiva católica, na qual me incluo.

Pois bem, falando dessa perspectiva, os aspectos a que me referia são, em primeiro lugar, a questão da vontade de Deus. Sempre me pergunto sobre isso: existe uma vontade de Deus a que se deve dizer sim? Em caso afirmativo, como saber qual é essa vontade? Como saber quando estamos sendo tocados por ela? No caso de Nossa Senhora, ela soube qual era a vontade de Deus e, em nenhum momento, titubeou. Ela disse sim, e sua aquiescência foi suficiente para desencadear um fato de proporções estupendas.

Um segundo aspecto que gostaria de salientar é o da ação do Espírito Santo. Ao sim de Maria seguiu-se a ação do Espírito Santo nela, e dessa ação resultou o grande mistério que há mais de dois milênios perpassa de forma inquietante a história da humanidade: a Encarnação do Verbo.

Certamente pode-se afirmar que, em Maria, o Espírito Santo manifestou-se plenamente

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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