– Na próxima semana vou soltar um capote aqui e você vai correr atrás. Quero ver você pegar o capote que eu vou soltar.

Foi com essa provocação que o fisioterapeuta Leonardo Salmito Pinheiro finalizou a sessão de fisioterapia que fizera comigo na Medfisio semana passada. Estou concluindo hoje a trigésima sessão de fisioterapia. O motivo foi uma fratura no quinto metatarso do pé esquerdo, que me fez ficar 23 dias com o pé engessado, além de ter ocasionado muitas dores e incômodos.

No primeiro dia do tratamento, pela forma como o Dr. Leonardo fez a avaliação do meu problema, tive a clara convicção de que o processo de cura seria bem conduzido e eu estava em boas mãos. Um aspecto peculiar do tratamento fisioterapêutico é que o médico – pelo menos comigo foi assim que aconteceu -, não detalha que tipo de exercícios serão feitos com o paciente. Ele apenas dá o diagnóstico, cabendo ao fisioterapeuta decidir como será feito o tratamento. Decorre disso que nós, pacientes, ficamos absolutamente à mercê do fisioterapeuta. Um tratamento mal conduzido, com a aplicação de exercícios desaconselháveis para o caso, pode ter consequências desastrosas. Quanto a isso, posso garantir que falo com conhecimento de causa.

Pois bem, à medida que o tratamento prosseguia, nos dias seguintes, foi se consolidando a convicção que eu tivera inicialmente. O resultado positivo se fez notar logo na primeira semana. O desvelo com que Dr. Leonardo tratava o meu caso, com o cuidado de me explicar, ao iniciar cada exercício, por que era necessário fazê-lo e a que se destinava, pude observar também nos demais profissionais que circulavam próximos a mim, atendendo outros pacientes.

Creio que minha veia de cronista me granjeou certa facilidade na observação de pessoas e ambientes. Por menos que eu me esforce para isso, basta-me estar em um ambiente para que fique logo antenado com tudo o que ocorre próximo a mim. Nos dias seguintes eu teria oportunidade de perceber melhor o funcionamento da clínica onde fazia o tratamento, e como trabalham os profissionais que a constituem.

Lembro que certa vez ouvi a Dra. Patrícia, uma das fisioterapeutas, ser indagada por uma paciente: “Vocês vão ter recesso em janeiro?” A resposta imediata foi: “Não!” Mas a surpresa veio com o que ela disse a seguir. Esboçando um delicado sorriso, completou: “Graças a Deus, não”. Aquelas palavras me provocaram algumas reflexões. Sei que o fato de não ter recesso, ou seja, permanecer trabalhando no mês de janeiro, vai lhe proporcionar um ganho a mais. Mas não é só isso. Creio que possa dizer que vi naquela resposta uma expressão do prazer de realizar um bom trabalho. Isso tem um nome: vocação. Quem não sente prazer no que faz não tem motivação para trabalhar, mesmo com a garantia de uma boa remuneração.

Quem faz uma instituição são os profissionais que nela trabalham. Pela forma como os profissionais desempenham suas funções pode-se avaliar o bom ou mau funcionamento de uma instituição, seja ela qual for. Ali eu pude constatar, antes de tudo, que todos se sentem como uma grande família. Há uma relação de camaradagem entre eles que leva inevitavelmente a essa conclusão.

Até a forma delicada como se tratam deixa antever essa característica. Todos se tratam por diminutivos: o Dr. Leonardo é apenas Leo para os colegas. Para os demais, aplica-se o mesmo princípio: a Dra. Patrícia, é Pat; o Dr. Rafael, como não poderia deixar de ser, é Rafa; a Dra. Uanali teve o nome reduzido para Uana e a Dra. Maxuênia passou a ser Max. Apenas a Dra. Taís, por ter um nome curtinho, continuou assim mesmo.

Além do quadro de fisioterapeutas, não se pode esquecer a recepção da clínica, pois é lá que tudo começa, quando o cliente chega para iniciar os procedimentos necessários ao tratamento. Quanto a esse aspecto, eu não poderia olvidar a atenção e solicitude dispensadas por Ivoneide, a recepcionista. Essa solicitude eu a veria se repetir nos dias seguintes, não só para comigo, mas para com todos os clientes que ali chegam em busca de tratamento para suas dores. Deve-se mencionar também o desvelo com que dona Luíza, a dona Lu, como é carinhosamente tratada pelos colegas, cuida da lista de clientes, atentando para que sejam chamados seguindo rigorosamente a ordem de chegada, dedicando ainda especial atenção às cobertas dos leitos, substituídos cada vez que um paciente sai para dar lugar a outro.

Para concluir, quero mencionar aqui um fato observado por mim na última sexta-feira. No leito ao lado do meu encontrava-se o Sr. Valdenor, paciente que está passando por uma reaprendizagem da fala e de movimentos do corpo. Num determinado momento em que se esforçava para pronunciar algumas palavras para ele ainda difíceis de verbalizar, Dra. Maxuênia, que se encontrava próxima, cuidando de outro paciente, virou-se para ele e falou: “Cadê o meu natal, seu Valdenor? Eu quero o meu natal: o senhor vai dizer: Suênia”.  Sibilando, articulando as sílabas com dificuldade, o paciente começou a tentar pronunciar aquele nome, para ele ainda quase impossível.

Observando a cena, pus-me a pensar: não duvido que para aquela dedicada profissional o maior presente de natal talvez fosse escutar do seu Valdenor não apenas Suênia, mas o seu nome completo, Maxuênia, com todas as sílabas pronunciadas de forma absolutamente audíveis, assim como para o Leo – embora ele o tenha dito em tom de brincadeira -, o seu melhor presente de natal talvez fosse me ver correndo, lépido, atrás de um capote.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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