Como imaginá-lo? Como um autêntico mestre espiritual, um guru, um bom velhinho, baixinho e atarracado, robusto e bonachão, aos pés do qual todos gostam de sentar para ouvir-lhe as palavras, desfazer as dúvidas e aprender a viver. Mas, como qualquer outra pessoa, nosso bom velhinho chegou ao fim de sua peregrinação terrestre. Foi na noite de 22 para 23 de abril que ele passou desta vida para a paz do Senhor: exatamente 53 anos depois de ter deixado os campos, os bois, o arado, para imitar São Francisco no seguimento de Jesus Cristo.
Frei Ary E. Pintarelli, OFM
[Introdução a: Pintarelli, Ary E. Sabedoria de um simples: Os ditos do Beato Frei Egídio de Assis. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997, p. 24]
Ler as histórias das origens do movimento Francisco é puro deleite. Deixar-se envolver pelos maravilhosos relatos dos feitos dos primeiros companheiros de São Francisco equivale a caminhar com eles lado a lado pelas sendas e veredas da Úmbria, partilhando suas venturas e desventuras nos anos em que o movimento iniciado pelo poverello de Assis dava os primeiros passos.
Um desses companheiros, de quem são narradas histórias deliciosas, é Frei Egídio de Assis. Deve-se a Frei Leão sua primeira biografia, intitulada Vida de Frei Egídio. Homem simples e sem instrução, ao entrar para o grupo de São Francisco granjeou imediatamente a simpatia deste, tornando-se uma de suas companhias prediletas. No dizer de Frei Pintarelli, organizador de um livrinho maravilhoso, Sabedoria de um simples: Os ditos do Beato Egídio de Assis, Frei Egídio foi um dos Cavaleiros da Távola Redonda franciscana e um simpático místico da primeira hora franciscana.
O Beato Egídio de Assis figura entre os expoentes do que alguns autores denominam “sabedoria de resposta”. Trata-se daqueles ditos espirituosos, geralmente proferidos em resposta a uma indagação ou em réplica a uma determinada observação de um condiscípulo. Como diz Frei Pintarelli na Introdução do livrinho acima mencionado, por ter sido inicialmente camponês, seu linguajar é muito “terra a terra”, isto é, influenciado pelas coisas normais da vida e da criação, seus ensinamentos nascidos da vivência mais que do estudo (p. 16). Sua admirável sabedoria era sempre expressa com palavras simples, não ditadas pela ciência mas pela vida (p. 14).
A leitura de Sabedoria de um simples tem me proporcionado ótimas reflexões e maravilhosos insights. Tenho-o lido de forma aleatória, abrindo suas páginas ao sabor do acaso. Alguns me parecem tão bons que os assinalo, retornando com frequência à sua leitura, de forma a fixar melhor as palavras e apreender com maior profundidade o sentido, como este:
Bem-aventurado aquele que guia os outros pelo bom caminho, sem deixar de andar por ele; que convida os outros a correrem, sem deixar de correr também; que ajuda os outros a se enriquecerem, sem que por isso se torne pobre (p. 109).
Um outro trecho que tenho lido com frequência, e ao qual seguramente retornarei ainda muitas vezes, trata do delicado tema do enfrentamento das tribulações:
Disse-lhe um certo frade: “Que faremos se nos sobrevierem grandes tribulações?” Respondeu Frei Egídio: “Se o senhor fizesse chover pedras e rochedos do céu, estes não nos fariam mal se fôssemos como deveríamos ser. Se o homem fosse como deveria ser, para ele o mal converter-se-ia em bem. Pois, assim como a quem tem má vontade até o bem se transforma em mal, da mesma forma, a quem tem boa vontade o mal se transforma em bem. Afinal, todos os grandes bens e todos os grandes males estão dentro do homem e não podem ser vistos” (p. 61)
E, para citar um último dito, o meu predileto:
Grande virtude é o homem vencer-se a si mesmo. Se souberes vencer-te a ti mesmo, vencerás todos os teus adversários e alcançarás todo o bem (p. 63).
Que falta nos fazem homens como esse frei Egidio; o carisma dos primeiros franciscanos, que seguiram de perto os passos do seráfico pai são Francisco, seriam de grande ajuda para esse pobre mundo decaído dos verdadeiros valores cristãos.
Caro João,
Concordo plenamente com você. Grato pelo comentário.
Abraço fraterno,
Vasco