O homem maduro é o que desiste da virtude impossível para não perder a possível.

Luis Fernando Veríssimo

[Veríssimo, Luis Fernando. As mentiras que os homens contam. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000, p. 166]

Há uns quatro anos uma amiga me mostrou uma crônica do Luis Fernado Veríssimo intitulada Check-up, cujo final nunca mais me saiu do pensamento. É a última crônica do livro As mentiras que os homens contam. Nela, o autor fala com o seu habitual senso de humor, daquelas promessas de ano novo que quase cem por cento de nós fazemos na última semana do ano. Para muita gente a lista de coisas que não vai mais fazer é enorme, competindo com outra igualmente extensa: a das coisas que vai começar a fazer. Ano novo, vida nova. A partir de primeiro de janeiro não farei mais isso, não farei mais aquilo, e por aí vai. Em compensação, vou adotar uma porção de novos hábitos que vão transformar a minha vida.

Chegado o primeiro de janeiro, porém, a decepção não se faz esperar. Duas ou três horas depois de acordar, ou no máximo no final do dia, dependendo da promessa, já foi tudo por água a baixo. Uma semana depois, as promessas já viraram cinza, esquecidas no corre-corre do dia a dia.

Todo mundo sabe que mudar hábitos não é tarefa fácil. Os motivos são muitos, não sendo o menor deles as motivações e desejos inconscientes que nos levam a agir, muitas vezes, à revelia de nós mesmos. Portanto, não é apenas por um ato volitivo que conseguiremos mudar facilmente alguns hábitos, como se tudo acontecesse num passe de mágica.

Isso não quer dizer que seja impossível mudar alguma coisa. É possível, sim. Mesmo hábitos que mantivemos durante anos e anos, em alguns casos, usando-se de determinação e força de vontade, será possível modificá-los. Mas isso na maioria das vezes não acontece. E aí o resultado pode ser desastroso, pois advém logo uma sensação de incapacidade, de impotência, como se tivéssemos falhado no nosso propósito.

É preciso, portanto, ter cuidado com as promessas que nos fazemos nos últimos dias do ano. Não há nada demais em fazê-las, todo mundo faz. O inconveniente, porém, é fazer promessas que já de saída sabemos que não seremos capazes de cumprir. E uma pessoa sabe. Todos nós, lá no íntimo, sabemos do que somos capazes, sabemos até onde podemos ir na concretização das metas que nos propomos realizar.

Traçar metas e objetivos para o novo ano pode ser uma prática muito saudável e valiosa. Desde que tenhamos os pés no chão, nãos descurando do necessário senso de medida. Vale o bom-senso. É preciso cuidado para não incorrermos na projeção de metas grandiosas demais ou inatingíveis, a fim de evitar que, devido à frustração por não atingir as virtudes impossíveis, percamos até mesmo as possíveis, que nos poderiam trazer grandes benefícios e até, quem sabe, proporcionar grandes transformações.

Pode parecer estranho o que vou dizer, mas é verdade: às vezes a mudança consiste, exatamente, em desistirmos da  mudança. Porque abrir mão da mudança de um hábito que supostamente está nos atrapalhando pode significar assumir uma atitude de aceitação da pessoa que se é de fato. E isso, muitas vezes, produz efeitos surpreendentes.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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