…o seu inconsciente precisa de um deus. É uma necessidade séria e autêntica.

C. G. Jung

[Jung, C. G. A vida simbólica: escritos diversos. Tradução de Araceli Elman, Edgar Orth; revisão literária de Lúcia Mathilde Endlich Orth; revisão técnica de Jette Bonaventura. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. – (Obras completas de C. G. Jung; v. 18/1) III. A vida simbólica, p. 277.]

A relação do homem com o Sagrado é uma relação que passa, necessariamente, por duas mediações, neste caso, estreitamente relacionadas. Refiro-me às mediações psicológica e cultural. Nossas experiências são fortemente determinadas por nosso inconsciente, tanto o inconsciente pessoal quanto o coletivo.

No caso da relação com o Sagrado, as experiências tiram seu substrato do inconsciente coletivo, que, por sua vez, ancora-se em dados culturais.  Ao mesmo tempo, deve-se salientar que o que torna peculiar uma experiência, ou seja, o que a individualiza, caracterizando-a como específica daquele indivíduo, são os dados específicos da sua história pessoal, aqueles que jazem no âmago do seu inconsciente.

Resumindo, o que estou querendo dizer é que a nossa experiência do Sagrado esteia-se em três pilares: o inconsciente pessoal, o inconsciente coletivo e a cultura. Saliente-se, a propósito, que tomo este último vocábulo no sentido antropológico em que o termo é usado.

Uma vez que a relação com o Sagrado é mediada pela cultura, compete às religiões fornecer os meios para que tal interação aconteça. Esses meios são os ritos, a doutrina, os dogmas, as divindades e tudo o que constitui uma religião. Este é um dos motivos que tornam tão necessárias e importantes essas instituições. Elas são formas institucionalizadas – ratificadas socialmente -, de acesso ao Sagrado.

Isso não implica, necessariamente, afirmar que só seja possível estabelecer o contato com o Sagrado dentro do quadro das religiões. De maneira alguma. Essa experiência é perfeitamente viável a quem não professa qualquer credo religioso. Entretanto, acredito que, se o sujeito está amparado por um determinado credo, com o qual ele se identifica totalmente, a experiência, sob certos aspectos, se torna mais fácil, sua travessia se torna uma jornada, de alguma forma, mais segura.

A busca do contato com o Sagrado é uma jornada árdua, difícil e longa para quem decide leva-la às últimas consequências. E quem se arrisca a fazê-la por conta própria, sem o amparo de uma religião, seja ela qual for, fica mais suscetível a uma série de riscos, como, por exemplo, o de se deixar enganar por ilusões delirantes e situações meramente imaginárias. Embora quem busque uma religião não esteja totalmente imune a esse risco, eu diria que ele é menor.

Por fim, há mais um aspecto a salientar. Uma vez que essa experiência é sempre pessoal e colorida pelas idiossincrasias próprias de cada indivíduo, a diversidade religiosa tem que ser, necessariamente, grande, de forma a se adequar aos anseios de quem busca nelas os fundamentos para a sua busca do Sagrado.

É por isso, inclusive, que dentro de uma mesma religião há muitas nuances. Cite-se, como exemplo, as ordens religiosas, as seitas, as divindades, os santos, a diversidade de ritos e mitos, os dogmas, enfim, tudo o que constitui o riquíssimo universo das religiões.

Para concluir, não se deve esquecer, ainda, um dado muito importante, que é o fato de que o Sagrado nunca se deixa domesticar totalmente. Tome-se, aqui, domesticação no sentido de institucionalização. Quando começa a ser muito oprimido, sofrendo os estreitamentos e reducionismos próprios das instituições religiosas, ele se rebela. É nesses momentos que aparecem os reformadores, os novos fundadores, os místicos, que sempre surgem imbuídos da missão de dar uma arejada na instituição, trazendo algo novo, que sempre surpreende.

Para ficar dentro da perspectiva católica, poderia citar dois exemplos de figuras que provocaram grandes abalos na instituição, com suas propostas radicais: São Francisco de Assis e Santa Teresa d´Ávila. Um outro exemplo que, no caso, provocou um abalo que poderíamos dizer sísmico, foi Lutero.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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