Às vezes, o retardamento em atender às preces é uma prova a que Deus nos submete. Mas Ele afinal se apresenta, assumindo a forma adorada pelo devoto persistente. Um cristão devoto contempla Jesus; um hindu vê Krishna ou a deusa Káli; ou então, uma Luz que se expande, se a adoração assume forma impessoal.

Paramahansa Yogananda

[Yogananda, Paramahansa. Autobiografia de um Iogue. Tradução de Adelaide Petters Lessa. – São Paulo: Summus, 1981, p. 204.]

No texto postado ontem neste blog, tratei das mediações de que o Sagrado se vale para se manifestar. Prefiro falar de Sagrado para denominar esta realidade transcendente a fim evitar dar uma conotação muito judaico-cristã ao assunto, uma vez que, em se tratando desta, eu teria que adotar necessariamente uma perspectiva monoteísta. Assim procedo porque as hierofanias, ou seja, as manifestações do Sagrado, acontecem em quaisquer religiões, sejam elas monoteístas ou não.

Faço aqui um parêntesis para esclarecer o seguinte: o inominável, que, por questões de comodidade e porque precisamos da linguagem para a ele nos reportar, nas religiões monoteístas recebe o nome de Javé, Deus ou Alá, ocupa, nessas religiões, o centro de toda sacralidade. Em outras tradições religiosas, porém, ele ocupa essa mesma centralidade, sendo-lhe atribuídas, porém, outras denominações.

Feito este parêntesis, afirmei no texto anterior que o Sagrado, ao se manifestar, o faz mediado tanto pela cultura quanto por fatores inerentes à psicologia do sujeito que o experimenta. Essa é a conclusão inevitável quando se faz um estudo aprofundado da história das religiões. Fica difícil, depois disso, falar de religiões verdadeiras ou falsas. Na verdade, é quase impossível fazê-lo. Isso não quer dizer, porém, que se possa defender o ponto de vista de que tudo o que dizem e escrevem em nome das religiões seja verdadeiro.

Existe o charlatanismo e existe, ainda, algo talvez muito mais grave e mais difícil de identificar, que é o autoengano. Quanto a esse aspecto, as religiões aparecem como um dos terrenos mais férteis. Quantos loucos e desvairados já apareceram ao longo da história da humanidade propagando as maiores asneiras e estultices, motivados por supostas revelações e inspirações divinas.

Em contrapartida, quantas figuras maravilhosas e iluminadas foram, em sua época, consideradas loucas, tornando-se, algum tempo depois, incensadas e reverenciadas devido ao reconhecimento do valor de sua mensagem e de seus atos. No caso da Igreja Católica, lembramos, por exemplo, a figura de Joana D´Arc, queimada na fogueira e, depois, reabilitada e elevada à glória dos altares.

Estou convencido de que o itinerário seguido por determinada pessoa em sua relação com o Sagrado, noutras palavras, a forma como ela faz sua experiência religiosa, é que dá o colorido dessa mesma experiência. Nesse sentido, tanto deve ser levada em conta sua idiossincrasias, suas características enquanto sujeito único e singular, quanto sua opção religiosa, pois, no trato com o Sagrado, os símbolos desempenham um papel fundamental. É nesse aspecto que as religiões dão uma contribuição muito importante. São elas que fornecem ao indivíduo os símbolos através dos quais ele pode elaborar e comunicar a sua experiência.

Para concluir, devo dizer que não tenho quaisquer dúvidas da veracidade do relato de São Franscisco de Assis sobre o episódio por ele vivenciado no monte Alverne, quando, após a visão da figura que se tornaria conhecida nos anais do franciscanismo como o Serafim alado, recebeu os estigmas de Cristo.

Da mesma forma, de maneira alguma questiono a veracidade da visão relatada por Paramahansa Yogananda no seu livro Autobiografia de um Iogue, em que ele fala da visão que teve de Krishna num momento crucial de sua jornada espiritual.

Ambas as experiências são verdadeiras, reais, e sua veracidade e realidade podem ser aquilatas pelas consequências que provocaram nos sujeitos que protagonizaram as duas hirofanias mencionadas. Foram ambas experiências transformadoras, deixando nos protagonistas marcas indeléveis. Essa é, sem dúvida, a afirmação maior de sua veracidade.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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