Procura fazer aquilo que não sabes e dize: eu quero viver espiritualmente, quero tornar-me um só com Deus, quero que a minha conversa esteja no céu, quero ter Deus sempre no coração… Todo verdadeiro, todo simples, todo sincero, preparei o meu coração para Deus, o qual, por sua graça, nele habite (habite estavelmente), e dele faça o seu templo.

Santo Antônio Maria Zacarias

[Santo Antônio Maria Zacarias. Escritos. Citado em:  Sgarbossa, Mario. Os santos e os beatos da Igreja do Ocidente e do Oriente: com uma antologia de escritos espirituais. Tradução Armando Braio Ara. – São Paulo: Paulinas, 2003, p. 530.]

Nem sempre, quando ouvimos um chamado para que sigamos um determinado caminho, nos dispomos a fazê-lo de imediato. Entretanto, se percebemos que há uma obra a realizar e que ela nos foi confiada, mesmo que não tenhamos muita clareza quanto ao itinerário, é necessário pôr os pés na estrada.

Quanto a isso, a jornada espiritual é de todas a mais difícil. Quem envereda pelo caminho da fé segue muito mais ancorado em um não saber que num saber. Sobre isso escreveu com muita propriedade o grande místico espanhol São João da Cruz. O Doutor Místico falava muito do não saber, de seguir por onde não se sabe.

Pois bem, o trecho de Santo Antônio Maria Zacarias posto aqui em epígrafe afirma a mesma coisa. Logo no começo, escreve o Santo: “Procura fazer aquilo que não sabes…” Ora, fazer aquilo que não sabemos, nesse contexto, implica em aventurar-se sem medo pelo sempre obscuro caminho da fé. Esse é o caminho do não saber, pois, ao segui-lo, fazemo-lo sem quaisquer garantias de que chegaremos a algum lugar. A única força que nos move, nesse itinerário, é a esperança. Nesse sentido, pode-se afirmar que quem caminha pela senda da fé é, antes de tudo, um esperançoso.

Mas como não sê-lo? A vida sem esperança não merece ser vivida. É preciso fazer da esperança uma âncora e não desanimar. Aliás, talvez se possa ir além e afirmar que, na verdade, a vida sem esperança não pode nem mesmo ser vivida.

Por mais que uma pessoa sofra, por mais que enfrente percalços ou momentos de angústia, enquanto for capaz de manter acesa essa chama ainda há esperança de vida. Quando, porém, alguém chega a um nível tal de desilusão que não mais espera, a vida começa a entrar em falência e as possibilidades de que consiga levar qualquer projeto a bom termo ficam sensivelmente reduzidas.

No caso do itinerário em direção a Deus, então, o risco de se deixar dominar pelos estados de desânimo e abatimento são muito grandes. Porque Deus parece que tanto mais se esconde quanto mais intensamente o buscamos. Não desanimemos, porém, nem nos deixemos dominar pelo sentimento de fracasso. Só fracassa quem não tem a determinação e a ESPERANÇA indispensáveis para se manter firme em sua busca mesmo quando assolado pela total ausência de Deus.

Invertamos, pois, por algum tempo, a lógica da busca, e façamos da ausência uma presença, alicerçados na certeza de que Aquele a Quem buscamos está mais perto do que poderíamos supor, apenas aguardando o momento de se revelar em toda a sua plenitude.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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