Quem escreve tenta, de alguma forma, tocar com as palavras o sentido do real, daquilo que constitui a essência da vida. Talvez escrever seja, em última instância, uma busca de sentido, ou, para ser mais preciso, do sentido.

Qualquer tentativa, entretanto, por mais bem sucedida que seja, esbarrará sempre num limite, imposto pela linguagem. A linguagem é muito pobre para dar conta da imensidão da vida. É por isso que alguns escritores, insatisfeitos, resolvem buscar outros caminhos. Entre esses eu destacaria Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Manuel de Barros. De formas diferentes, os três tentaram ir além daquilo que a linguagem permite, paradoxalmente, valendo-se da própria linguagem, uma vez que o instrumento de trabalho disponível é sempre e apenas a palavra.

À sua maneira, eles subverteram a linguagem no afã de exprimir o inexprimível. Guimarães Rosa, numa tentativa de ampliar suas possibilidades, criou palavras, inventou um novo vocabulário. Manuel de Barros, por sua vez, dentre outros artifícios, subverteu as classes gramaticais, transformando verbos em substantivos e vice-versa. Quanto a Clarice Lispector, embora em alguns momentos tenha sido tentada a criar novas palavras, nos raros momentos em que o fez, como em “Água viva”, criou vocábulos sem sentido. Nesse caso, ela deliberadamente resvalou para uma ausência de sentido.

Vejo, pois, uma diferença em Clarice Lispector no que toca à tentativa de atingir o âmago do real com a palavra. Deixo claro, porém, que não cabem aqui comparações valorativas com relação à literatura tal como exercida por Guimarães Rosa, Manuel de Barros e Clarice Lispector. Trata-se, antes, de três maneiras diferentes de expressão pela escrita. A peculiaridade está no fato de que Clarice utiliza apenas a linguagem cotidiana, o vocabulário comum do dia a dia, sem lançar mão de qualquer forma de subversão da gramática. Ela, pois, se mantém nos limites da palavra, com a consciência de que está tentando tocar algo que a transcende.

Na escrita de Clarice Lispector, entretanto, esse limite transforma-se em limiar, uma vez que, levando às últimas consequências as possibilidades da linguagem comum e trivial de todos nós, ela consegue tocar, ainda que muito de leve, o inefável, nos fazendo pisar a soleira além da qual só resta silenciar ante o incomensurável mistério da grande vida. O que a leva a escrever, na conclusão de um seus livros mais fascinantes, “A paixão segundo G.H.”: “O mundo independe de mim – esta era a confiança a que eu tinha chegado: o mundo independia de mim, e não estou entendendo o que estou dizendo – nunca! Nunca mais compreenderei o que eu disser. Pois como poderia eu dizer sem que a palavra mentisse por mim? como poderei dizer senão timidamente assim: a vida se me é. A vida se me é, e eu não entendo o que digo. E então adoro. – – – – – -“

 

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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