Na tentativa de consolidar a minha fé cristã, frequentemente tenho recorrido à leitura da Bíblia e a outros livros que abordam a vida e mensagem de Jesus Cristo. O fato é que Cristo aparece ainda como um enigma a ser decifrado, enigma esse que, quanto mais se adentra, tanto mais se mostra profundo, revelando uma inesgotabilidade desconcertante.  

Cada episódio de sua vida teve ressonâncias muito importantes, merecendo de quem se apresenta como pretenso discípulo especial atenção. De todos, o que me aparece como mais paradigmático é aquele em que o Mestre retira-se com os discípulos para orar no monte das Oliveiras: “Ele saiu e, como de costume, dirigiu-se ao monte das Oliveiras. Os discípulos o acompanharam. Chegando ao lugar, disse-lhes: ´Orai para não cairdes em tentação`. E afastou-se deles mais ou menos a um tiro de pedra, e, dobrando os joelhos, orava: ´Pai, se queres, afasta de mim este cálice!` Apareceu-lhe um anjo do céu, que o confortava. E, cheio de angústia, orava com mais insistência ainda, e o suor se lhe tornou semelhante a espessas gotas de sangue que caíam por terra” (Lc 22,39-44).

Tenho este como o episódio mais importante de toda a trajetória de Cristo. Assim o considero porque foi dele que dependeu tudo o que se seguiu. Tivesse ele recusado o projeto do Pai, nada mais teria sucedido. Mas o que me faz atribuir-lhe, também, tanta importância é o fato de considerá-lo o ato paradigmático por excelência. Creio que todo ser humano, em determinado momento de sua vida, é desafiado a dizer o seu sim ao projeto que lhe foi destinado ao nascer. De sua disponibilidade em responder afirmativamente ao chamado decorrerá tudo mais.

Embora em alguns momentos me ocorra duvidar da factibilidade do projeto cristão – e, portanto, da eficácia do sim dado por Cristo ao Pai – vez por outra sopra uma aragem, reacendendo a chama da esperança. Digo isso pensando num episódio ocorrido no início dessa semana. Segunda-feira, o site da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil divulgou uma nota em que afirma: “A arquidiocese de Olinda e Recife (PE) recebeu carta da Congregação para a Causa dos Santos informando que ´aguarda o parecer de diferentes Dicastérios para se poder proceder ao processo de beatificação` do Servo de Deus dom Helder Pessoa Câmara.”

Cada vez que penso em figuras como a do Dom ou do papa Francisco, a minha fraca e vacilante fé ganha um pouco mais de consistência, e me convenço de que o sim de Cristo ao plano do Pai não foi em vão. E sinto que, muito mais que um enigma a ser decifrado, Cristo é um enigma a ser experienciado. Para que tal experiência se efetive, no entanto, tudo o que ele pede é que se diga sim ao seu convite. A questão é que esse sim é tanto mais desejado quanto indefinidamente adiado, pela radicalidade do projeto proposto pelo Mestre. Quem se habilita? 

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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