Ao ousar manter juntos “a medida e a desmedida, a ordem e a poesia”, Jung foi ele próprio o criador de uma obra abundante e original que, ao mesmo tempo que era uma obra científica, soube abrir-se para o irracional, o desconhecido e o incognoscível.

Viviane Thibaudier

[Thibaudier, Viviane. Jung, médico da alma. Tradução Martha Gouveia da Cruz, Alexandra D. de Souza. – São Paulo: Paulus, 2014, p. 144. (Coleção Amor e psique).]   

Comecei a leitura do livro Jung, médico da alma, pela página 32. Como sempre faço ao adquirir um livro, antes de iniciar a leitura folheei-o página por página. Pois bem, logo no início, no segundo capítulo, me despertou a atenção o subtítulo O sacrifício, sob o qual encontra-se uma  citação de um dos livros mais polêmicos de Jung, Símbolos da Transformação (livro que, diga-se de passagem, é tido como marco de seu rompimento com Freud):

O mundo aparece quando o homem o descobre. Ora, ele só o descobre no momento em que sacrifica seu envolvimento com a mãe original, dito de outra maneira, o estado inconsciente do início.

Como a questão do sacrifício vem ocupando o centro de meus estudos e reflexões há bastante tempo, foi por aí que iniciei a leitura do livro, somente depois passando para a página inicial. Aliás, esse livrinho, pequeno no tamanho mas grandioso no conteúdo, me proporcionou alguns encantos desde a página de rosto, na qual a autora pôs a instigante citação de Élie Humbert: “Será que conseguimos manter juntas a moderação e a insensatez, a ordem e a poesia? Jung tentou”.

A autora, Viviane Thibaudier – ex-presidente da SFPA (Sociedade Francesa de Psicologia Analítica), que também dirigiu o Instituto C. G. Jung de Paris por mais de dez anos – escreve, logo na Introdução, a propósito da polêmica que sempre cercou tanto Jung quanto sua obra: “O que não teria sido dito sobre Jung? Afirmou-se que não passou de um pedagogo, um simbologista ou mitólogo, que foi místico, esotérico, antissemita, que fazia girar mesas, acreditava em discos voadores e praticava a alquimia, que teria fundado uma nova religião. O catálogo é infinito. Alguns chegaram a escrever livros sobre ele para demonstrar que o autor era pouco recomendável, como aqueles que escrevem obras inteiras para provar que Deus não existe!” Prosseguindo, formula uma instigante indagação que soa, ao mesmo tempo, como um desafio: “Tais simplificações, com frequência exageradas, contribuíram amplamente para distorcer o pensamento de Jung. Mas será que conhecemos o verdadeiro Jung?” (p. 9)

Ao longo de quinze capítulos, curtos mas tão bem escritos quanto fundamentados, a autora perpassa os aspectos mais importantes e salientes da obra junguiana, elucidando conceitos, sempre ilustrados com exemplos tomados à prática clínica. No final, o livro traz ainda um pequeno glossário que serve como suporte a quem está começando a explorar Jung.

Jung, médico da alma, é um delicioso convite a uma imersão rápida e agradável no universo junguiano. Sua leitura me proporcionou imenso prazer e algumas descobertas, motivo pelo qual o tenho mantido em minha mesa de leitura, a ele retornando algumas vezes. Reputo essa publicação de interesse tanto para os já iniciados quanto para os que estão se iniciando na obra desta figura fascinante e controvertida, sobre quem, com muita propriedade, afirma Viviane Thibaudier na Introdução:

Essa mente curiosa e culta, de visão aguçada e de longo alcance, interessava-se por tudo: ciências, filosofia, literatura, antropologia, paleontologia, história das religiões, linguística etc., e sua obra no campo da psicologia, incluindo algumas de suas ideias mais audaciosas, vai ao encontro das pesquisas mais adiantadas da física contemporânea. É, além disso, especialmente apreciada por pessoas criativas de todo o meio artístico (p. 11).

About the Author

Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

View All Articles