Terça-feira passada encontrava-me absorto em meus afazeres, quando fui interrompido por um colega de trabalho. Apontando um livro que se encontrava sobre um dos birôs, indagou: “É seu?” De imediato respondi: “Não, por quê?” Ao que ele respondeu: “Este livro é a sua cara”. “A Minha cara?”, retorqui, surpreso. “É”, redarguiu, “auto-ajuda, amor…”, completando, quase num murmúrio: “Você acredita no amor; eu, não”.

Sem saber se via no comentário um elogio ou uma velada censura, me senti impactado pela última frase. Não sei fundamentado em que o colega afirmara com tanta certeza minha crença no amor. Tampouco me ocorreu, na ocasião, perguntar. O fato é que, na manhã seguinte, voltei a pensar no assunto. Foi aí que lembrei do livro  “A revolução do amor: por uma espiritualidade laica”, do filósofo francês Luc Ferry.

Defensor do que tem sido chamado de humanismo secular, assim introduz Luc ferry o tema do amor: “É uma evidência que salta aos olhos, que percorre e transtorna permanentemente nossa vida privada. No entanto, mal ousamos confessá-la, a não ser na mais estrita intimidade: é o amor que dá sentido a nossa existência. É ele que nos obriga, ao menos no que diz respeito aos nossos filhos, a não ceder ao pessimismo, a nos interessar, apesar de tudo, pelo futuro, a não negligenciar totalmente a vida política, que, aliás, consideramos insignificante” (p. 13).

Poucas palavras, pode-se dizer, se tornaram tão desgastadas quanto a palavra amor. Provavelmente seja esse o motivo por que não poucas pessoas se recusem hoje com tanta veemência a tratá-la com a seriedade que mereceria. O Velho bordão do “amor ao próximo”, tão caro ao cristianismo, já quase não faz eco numa civilização em que o outro é tratado, antes de qualquer coisa, com desconfiança. Apesar da evidência apontada por Luc Ferry, há outras evidências no sentido contrário, tantas e tão gritantes, que tornam difícil e arriscado alicerçar, hoje, o sentido da vida no amor.  Em que pese essa constatação, ainda assim é preciso optar. E provavelmente a opção mais viável seja a que aponta no sentido da aposta em uma perspectiva do amor calcado na ética e no compromisso com a vida, pois essa é, também, a aposta na esperança, sem a qual a vida se torna insustentável.

Concluo informando, para saciar a curiosidade de algum possível leitor, que o livro que motivou a redação deste artigo foi “Curar… o stress, a ansiedade e a depressão sem medicamentos nem psicanálise”, de David Servan-Schreber. Vou adquirir um exemplar. Quem sabe aconteça que, ao virar uma de suas páginas, eu me depare, enfim, com esta cara que venho procurando há mais de cinquenta anos e da qual, até o momento, tive apenas discretos e imprecisos vislumbres, não me tendo sido possível, ainda, precisar-lhe os contornos com a almejada nitidez.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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