Última reunião de trabalho do ano. Concluído o planejamento para 2016, veio à baila o último assunto da pauta: a confraternização de Natal. Além de providenciar uma torta doce, deram-me a incumbência de levar uma mensagem para ser lida na ocasião. Ali mesmo me veio à mente uma crônica do Rubem Braga, publicada no que é para mim um dos livros prediletos do autor, “A borboleta amarela”. Chegando em casa, tratei de reler a crônica. Uma dúvida enorme me acometeu: deveria ler aquele texto? Intitulado “Natal”, ele fala da solidão de um homem sozinho diante de um copo de uísque; aquela avassaladora solidão cósmica, que, paradoxalmente, muita gente experimenta nessa que deveria ser uma noite de alegria e celebração comunitária.

Enquanto me debatia com a dúvida, recordei outra crônica, igualmente natalina. Esta, por sua vez, da autoria de Carlos Drummond. Diferentemente da anterior, nela o autor transmite uma mensagem de esperança e crença na humanidade. O problema é que está cada vez mais difícil sustentar essa crença, especialmente para quem, sendo brasileiro, vive um momento que tem visto serem vilipendiados os mais comezinhos princípios que fundamentam o Estado Democrático de Direito. Ética é uma palavra que parece ter sido definitivamente riscada do vocabulário dos que gerem o destino da nação, na condição de representantes políticos. O respeito pela dignidade da pessoa humana é o que menos conta, num jogo de interesses mesquinhos e inescrupulosos, levando o povo brasileiro a uma grande insegurança.

Em que pese o inevitável pessimismo, creio que temos a obrigação ética de acreditar e apostar na esperança. Movido por essa premissa, depois de reler “Organiza o Natal”, a crônica do Drummond, decidi que seria esse o texto que levaria para a confraternização. Curiosamente, ao sentar ao birô para escrever este artigo, de repente lembrei de outra situação em que, provavelmente, o protagonista experimentou algo semelhante. Refiro-me a um conto de Natal da autoria de Moreira Campos, originalmente publicado no O Povo de 27.12.1992, republicado em 2013 no livro “Porta de Academia”. Concluído o conto, de teor não muito otimista, escreveu Moreira Campos: “Mas como é Natal e para atenuar a dureza do miniconto, citemos estes versos de Carlos Drummond de Andrade: Menino, peço-te a graça/ de não fazer mais o poema de Natal/ Um, dois ou três ainda passa…/ Industrializar o tema, eis o mal”.

Repetindo o gesto do saudoso escritor cearense, concluo com um trecho da mencionada crônica de Drummond, desejando a um eventual leitor um pouco de merecida alegria neste Natal: “O trabalho deixará de ser imposição para constituir o sentido natural da vida, sob a jurisdição desses incansáveis trabalhadores, que são os lírios do campo. Salário de cada um: a alegria que tiver merecido”.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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