Mais do que uma profissão…/ uma missão! // Vivendo a consciente missão/ do preparo constante/ entre conhecer a matriz teórica/ e desvendar os mistérios da própria alma./ Contextualizados em vetores evolutivos estão/ valores de humildade e de amor de humanidade. // Trabalhando o subjetivo,/ o construto teórico lhe serve de referencial./ O conhecimento pessoal lhe viabiliza/ plasticidade de matriz receptiva e afetiva/ para que o outro se compreenda. // Sem fronteiras ou espaços vazios,/ o amor pelo humano/ conduz a compreensão e ao/ convívio com o diferente;/ o oculto do oculto do ser humano,/ em sua opção mais inconsciente. // Dia após dia, hora após hora,/ segue uma rotina silenciosa/ aparentemente mágica/ de se relacionar em prol/ da descoberta do outro nele mesmo. // Fragmentar-se na compreensão/ da existência do próximo/ que lhe busca, entregando-lhe/ o que lhe é mais sagrado;/ o relicário dos próprios sentimentos/ que lhe fundamentam a razão de viver. // Acreditando no subjetivo, o profissional/ sensibilizar-se naturalmente para o humano/ com foco na verdade e refletindo aceitação/ e se recompõe em síntese respeitosa/ gerando no outro reflexão,/ descoberta e libertação.”

Wedja Josefa Granja Costa

[Academia Brasileira de Psicólogos Escritores. Poesias, contos, crônicas e psicologia / organizado por Assis Almeida. – Fortaleza: Premius, 2016. Poema: “O Psicoterapeuta”, de Wedja Josefa Granja Costa, p. 58.]

A metade superior da capa da publicação traz um desenho que remete aos meandros, sinuosidades e labirintos do cérebro humano; a inferior, por sua vez, onde se encontra estampado o título, remete a outros labirintos não menos sinuosos, os da escrita; mediando um e outro, o nome do sodalício que abriga os autores da publicação. Refiro-me ao livro “Poesias, contos, crônicas e psicologia”, publicado pela Academia Brasileira de Psicólogos Escritores.  Dividido em três partes, o livro é composto de 48 poesias, 10 contos e 28 crônicas.

No texto escrito à guisa de Apresentação, o acadêmico José Wagner de Paiva Queiroz Lima expressa de forma concisa o que é e a que se destina a congregação: “SOMOS A ACADEMIA BRASILEIRA DE PSICÓLOGOS ESCRITORES que se propõe a congregar o melhor da inteligência e da intelectualidade da Psicologia Nacional. É esta a proposta da Academia!…” (p. 10).

Se na atividade clínica o psicóloPoesias, Contos, Crônicas e Psicologia_Autoresgo ou psicóloga desempenha o nem sempre fácil mister de proporcionar ao outro que o interpela as condições necessárias para que dê voz aos conteúdos silenciados e, portanto, patogênicos, na publicação aqui comentada, ao contrário, são estes profissionais que se apropriam da palavra e falam. O campo em que verbera sua fala, entretanto, neste caso, não é o da clínica, mas o da arte, especificamente o da literatura.

A perspectiva psicológica é, quase sempre, evidenciada, como não poderia deixar de ser. Cite-se, a propósito, o trecho da crônica “Devolvendo a Simplicidade na Vida”, da acadêmica Elismar Santander, onde não falta a referência ao inconsciente:

“Aprendi que o bem nasce dentro de cada um de nós, isso me dá uma grande sensação de caminhar em paz. Lembro-me de viver dignamente sempre. Aprendi que o que me acontece teve a minha permissão, aceitação ou participação mesmo que no campo do inconsciente, não tenho tempo a perder, a infelicidade é desperdiçar o nosso sagrado tempo” (p. 122).

Ou, ainda, na crônica intitulada “O Que Há Por Trás de Nós?”, em que a acadêmica Lisiane de Oliveira Forte provoca o leitor com a instigante frase: “Meus caros, por trás de cada virtude, há sempre uma abundância que se acamarada de um vício” (p. 150).

No conto “O Homem que sabia milagres”, o acadêmico Guilherme Cardoso Antunes traz o leitor para um tema nunca olvidado, mas quase sempre escamoteado, posto que refletir sobre ele seja, quase sempre, motivo de incômodo e angústia para muitas pessoas. Refiro-me à difícil temática da morte. No conto, um homem supostamente imortal anseia por um milagre, a própria morte, que, por fim, lhe é concedida:

“E não lhe sobrando outras certezas, implorou por um milagre. Seu milagre era sua morte. E a vida assim lhe concedeu. Meses depois morreu de amor, para renascer num amanhã qualquer mais homem e mais vivo por aí. Descobriu que por ser mortal cabem-nos infinitas vidas, com seus doces e seus amargos. Melhor do que uma inteira sem sal” (p. 87).

Mas nem só de reflexões psicológicas é constituída a obra. A crítica social também se faz presente. Isso fica patente no poema “Zé”, do acadêmico Luciano Gonzaga van der  Leψ:

“O Sol escaldante chicoteia bravamente/ Este mal pisado chão semi-árido,/ Que espuma sangue dos animais e vegetais moribundos. / Aterroriza homens bravos de olhos arregalados,/ Ossos mal cobertos, carnes moídas e dentes ociosos./ As suas mãos pesam mais que instrumentos de trabalho./ Mas a coragem/ – Que coragem!/ Lhe arrasta toda sua subvida no roçado. // Ontem foi hoje, amanhã é hoje, que diferença faz,/ Não fez diferença./ A única coisa que o céu dá é a vista longa,/ Sem nada à vista;/ A única coisa que se colhe é a lapidada esperança/ Lacrimejada de dor./ Que esperança! // A prole é a grande testemunha própria do futuro./ É a herança imposta e posta. // O túmulo alivia a família do horrendo calor da miséria,/ Precocemente. // A casa vira pó e o pó da família cria a religião./ Tudo é política. // As gravatas sobrevoam atrás dos desgraçados enforcados./ – Como está Londres?” (p. 74).

Teria muito mais a comentar, mas, para não roubar ao leitor o prazer da descoberta, encerro por aqui essa breve resenha. Concluo transcrevendo um breve trecho da crônica “As Utopias de Cada Um”, do acadêmico José Wagner de Paiva Queiroz Lima, em que o autor fala de uma das dimensões da vida fundamentais a qualquer ser humano, o sonho, que convertido em utopia, nos impele a seguir sempre em busca de novos horizontes e desafios:

“Todos nós trazemos conosco alguns sonhos acalentados, desejos de realização, objetivos e metas a serem alcançadas… São as utopias de cada um que dão significado à Vida, que nos preenchem interiormente, nos norteiam e nos motivam a viver… Elas é que nos mantem jovens de espírito… Nos tornam eternos apaixonados pela Vida!…” (p. 114).

About the Author

Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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