Vamos partir do princípio de que não existem hiatos no tempo. Vamos supor que a vida de Teresa tenha sido um tanto semelhante à de todas as pessoas: um lento acúmulo de experiências que parecem se enfileirar ao acaso mas – aí sim – subitamente ganham sentido e transformam-se em uma realidade inteiramente nova. Vamos aceitar a hipótese de que o caminho da santidade também possa ser uma construção, um trabalho de formiguinha, cheio de percalços, dúvidas e hesitações. Mas, sobretudo, vamos imaginar que nada do que vivemos se perde. Toda experiência pode vir a ser útil, até mesmo o deixar-se levar pelas circunstâncias, desde que tenhamos os olhos muito abertos para aprender.

Rosa Amanda Strausz

[Strausz, Rosa Amanda. Teresa, a santa apaixonada. Rio de Janeiro: Objetiva, 2055, p. 105.]

Hoje, a exemplo do que faço diariamente, levantei cedo para fazer minhas orações matinais. Um fato, porém, deu um toque diferente a essa rotina. É que hoje se celebra a Festa de Santa Teresa d’Ávila. Além do calendário civil que toda pessoa segue ao longo do ano, cada um de nós tem seu calendário particular. Este é composto daquelas datas que elegemos como nossas datas. São dias especiais, para os quais nos preparamos e aos quais damos um destacado valor. Pois bem, dentre as datas do meu calendário particular, duas estão especialmente assinaladas: 28 de março e 15 de outubro. Ambas estão associadas a uma mesma pessoa, Santa Teresa d’Ávila. Na primeira, celebra-se o aniversário de seu nascimento; na segunda, a sua passagem para a outra vida. Sempre me preparo de uma forma muito especial para essas datas. Este ano não foi diferente. Aqui estou, pois, como parte das minhas homenagens particulares à Mestra, escrevendo este artigo.

Motivado pela data, iniciei, domingo passado, a releitura de trechos do livro da jornalista carioca Rosa Amanda Strausz, “Teresa, a santa apaixonada”, que eu havia sublinhado anteriormente. A autora escolheu muito bem o título do livro, pois Santa Teresa era não apenas uma santa apaixonada, como, também, apaixonante. Impossível se aproximar de sua vida e obra sem se sentir dominado por sua fascinante figura.

Comigo foi assim, desde o início, e esse fascínio só tem aumentado com o tempo. No dia 20 de abril desse ano de 2016 completaram-se duas décadas desde que adquiri o volume de suas Obras Completas. Desde então, o mergulho em seus escritos tem me levado a descobrir sempre novas nuances da experiência religiosa, especialmente no que toca à prática da oração. Aliás, não fosse o providencial amparo da Mestra e eu, certamente, já teria há muito desistido desse caminho, tão difícil e tortuoso.

Santa Teresa fascina porque convence. Sua capacidade de atrair para o seu projeto aqueles que dela se aproximam é surpreendente. Mas se ela convence é, principalmente, porque tudo o que escreve partiu de uma experiência vivida até as últimas consequências. Quando lemos sobre a sua experiência da busca de Deus, pela via da oração, sentimo-nos irresistivelmente convocados a trilhar o caminho que ela trilhou. E cada vez que fraquejamos e pensamos “eu não serei capaz de ir tão longe”, ela se faz presente, incentivando-nos e instando para que não desistamos.

Tenho dialogado muito com Santa Teresa. Todos os dias. Diariamente. Todas as manhãs. Uma manhã que, por algum motivo, eu deixe de comparecer à sua presença para a nossa conversa cotidiana, provoca-me uma grande falta, um vácuo. O dia não fica completo sem esse encontro. Trato com ela como se trata com uma grande amiga, sobretudo com muita intimidade e total convicção de que ela me escuta e me responde. E responde mesmo. Eu não me atreveria a emprestar para ninguém o meu exemplar de suas Obras Completas. Às margens de suas páginas estão registrados momentos muito íntimos e pessoais de nossos diálogos matinais. Intitulo-os os meus “diálogos matinais com Santa Teresa d’Ávila”.

Para concluir, cito um trecho do livro acima mencionado, que dá bem uma ideia do que pode significar o encontro com a mestra avilesa: “Pronto. De agora em diante, seria assim. A experiência que propunha não era para todos, mas apenas para aqueles realmente desejosos de encontrar o caminho pela via do sensível. E essa corda ela sabia tocar muito bem com as palavras. Uma vez que pousasse os olhos sobre a figura de um companheiro, não o deixaria sair ileso do encontro” (p. 167).

Acho que ela um dia pôs os olhos sobre mim. E eu não saí ileso do encontro. Nunca mais fui o mesmo.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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