Confrontado num lapso de menos de seis meses com a perda brusca de quatro pessoas queridíssimas, uma das quais o meu pai – fato que constitui, conforme expresso por Freud em A interpretação dos sonhos, “o evento mais importante, a perda mais pungente na vida de um homem” – eu, que sempre procuro amparo nos livros, retornei à leitura de Crônicas da vida e da morte, do antropólogo Roberto DaMatta, que eu havia lido há oito anos.

A propósito dos motivos que o levaram a publicar o livro, afirma: “Nos últimos anos, perdi amados mentores, professores e amigos, um queridíssimo irmão mais novo e o meu primogênito. O filho que me tornou pai e me trouxe a concretude da experiência de doar a vida, e com isso de desfrutar da experiência dos deuses. Essas crônicas têm a marca da renovação e do renascimento. Da renovação, porque diante da doença, da indiferença, da hipocrisia e da morte, eu sigo sereno, escolhendo a vida e o trabalho. Do renascimento, porque este trecho da minha vida tem revelado que cabe a nós, humanos, dar sentido – como homens entre homens, como dizia Sartre – a todos (e eu repito, todos!) os acontecimentos que constituem e dão fundamento às nossas trajetórias” (p. 12).

Um fato comum une os dois autores. Freud afirmou que a publicação de A interpretação dos sonhos foi a sua reação à morte do pai. Roberto Da Matta, por sua vez, publicou Crônicas da vida e da morte como uma tentativa de dar algum sentido à morte do filho. A unir os dois, esse fato inexorável e tão difícil de enfrentar, a morte.

Amparado pelos dois, tenho tentado buscar um possível sentido para a dor que me tem acometido. O recurso mais imediato nessa circunstância é a memória, com o seu repertório de boas recordações. Contudo, não é possível viver de reminiscências. A vida demanda atitudes. A disponibilidade para a ação deve ser proporcional ao golpe sofrido. Imergir na melancolia é a pior alternativa. Não se trata, evidentemente, de um ato apenas volitivo. A perda do próprio pai mobiliza emoções profundas e, no mais das vezes, inconscientes, de um poder avassalador. Em tais circunstâncias a vontade padece, ficando sensivelmente rebaixada. Respeite-se, pois, o luto necessário, ocasião em que tudo sabe a letargia, lentidão e desânimo. Não esqueçamos, entretanto, o conselho de Ana Cláudia Quintana Arantes em A morte é um dia que vale a pena viver: “Quando morre uma pessoa amada e importante, é como se fôssemos levados até a entrada de uma caverna. No dia da morte, entramos na caverna, e a saída não é pela mesma abertura por onde entramos, pois não encontramos a mesma vida que tínhamos antes. A vida que será conhecida a partir da perda nunca será a mesma de quando a pessoa amada estava viva. Para sair dessa caverna do luto é preciso cavar a própria saída” (p. 185). Ultimamente tenho andado bastante ocupado cavando a minha.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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