Há muitos anos, quanto li pela primeira vez O fio da navalha, romance do escritor britânico Somerset Maugham (1874-1965), brotou em mim um profundo desejo de conhecer os mestres indianos. Uma das minhas primeiras descobertas, ocorrida de forma casual e surpreendente, foi Ramakrishna Paramahansa (1836-1886). Uma biografia sua veio ao meu encontro de maneira absolutamente inesperada. Naquele livro travei o primeiro contato com a sabedoria indiana. Fiquei profundamente impressionado com a figura e o pensamento de Ramakrishna. Essa semana andei folheando a biografia em busca de uma frase sua citada no livro. Diz o mestre: “A brisa da graça divina sopra sobre todos nós. Mas precisamos ajustar a vela para que ela a receba.”

O fato é que, de repente, essa frase me veio à mente. As circunstâncias, suponho, mobilizaram memórias inconscientes trazendo de volta a frase há muito esquecida. Pus-me a matutar sobre a metáfora proposta por Ramakrishna. Não são poucas as vezes em que percebemos que as coisas não estão caminhando como imagináramos. Eis que nos sentimos, de repente, imersos numa letargia tamanha como se o vento não estivesse soprando e o barco da vida ficasse encalhado.

Em ocasiões assim, talvez seja necessário fazer uma ligeira reflexão para tentar checar o que está, de fato, acontecendo. Não resta dúvida de que, algumas vezes, o vento não nos é favorável, parando de soprar ou soprando em outra direção. Mas nem sempre é assim. Será que, antes de culpar a falta de vento, não seria mais recomendável verificar a vela do nosso barco?

Claro que culpar o vento é muito mais cômodo. Reajustar a vela do barco pode ser trabalhoso. Há o risco até mesmo da vela sofrer algum dano, devido à impetuosidade do vento. Nesse caso, uma certa prudência pode ser necessária. Mas o ajuste talvez não implique, necessariamente, uma mudança radical de rumo. É provável que se trate muito mais de adequar a nossa vela à natureza do vento que sopra, e do qual ainda não nos havíamos dado conta, para que o barco possa seguir sereno em direção ao almejado porto. Creio que todos temos um porto ao qual se destina o barco da vida. Igualmente acredito que, de vez em quando, sejamos agraciados com bons ventos que sopram em nossa direção, impelindo o barco.

Não nos recusemos, pois, a navegar, quando somos solicitados a isso. Barco algum foi feito para ficar parado num porto, mas para navegar. Assim é a vida. Aproveitemos, pois, a brisa, quando ela soprar enfunando a nossa vela, antes que a eterna calmaria se faça, mesmo que para isso sejam necessários ajustes ao longo da travessia.  E se nos faltar a certeza quanto à direção do porto para o qual navegamos, lembremos as palavras de Ramakrisnha e entreguemo-nos com fé à Providência, que a graça divina fará o resto.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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