Todas as tuas palavras, cada noite, sob a luz da candeia, eu as assinalava uma a uma, fixava-as para não se perderem; todos os teus atos, também. “Uma única palavra tua”, dizia eu, “pode salvar uma alma”. Se deixar de registrá-la e não revelá-la aos homens, essa alma não se salvará por minha culpa.

Nikos Kazantzákis

[Kazantzákis, Nikos. O pobre de Deus. Tradução Ísis Borges Belchior da Fonseca. – São Paulo: Arx, 2002, p. 20]

Depois de muitos anos, retornei hoje à leitura de um livro que tenho comigo há quatorze anos. Não é um livro qualquer, mas um daqueles que, muito mais que uma publicação, com o passar do tempo faz-se para a gente companheiro de caminhada. Porque sempre nos fala como um amigo querido e atento cada vez que se precisa de um conselho ou orientação. Foi isso que se tornou para mim O pobre de Deus, obra de autoria do escritor grego Nikos Kazantzákis, o mesmo autor de A última tentação de Cristo.

Fiquei impressionado quando, certa vez, nos tempos em que eu ainda era professor no Instituto de Ciências Religiosas, ao conversar com um aluno que se tornara frade capuchinho e lhe falar da minha admiração por este livro, ele observou: “Eu decidi me tornar frade depois da leitura deste livro”.

A leitura de um livro pode provocar numa pessoa decisão tão séria quanto a tomada por aquele jovem? Pois a verdade é que pode, sim. E penso que, em alguns casos, talvez não seja nem mesmo necessária a leitura da obra inteira. Pode ser que uma frase apenas seja suficiente. Ou, talvez, menos que isso, uma palavra somente baste. Nikos Kazantzákis o sabia muito bem, quando põe na boca de Frei Leão a admoestação: “Uma única palavra tua pode salvar uma alma”. E para que tais palavras não se percam, apressa-se em fazer delas o registro escrito, conforme afirma na conclusão do trecho citado em epígrafe.

De mim, não direi que uma palavra me salvou, mas muitas, dispersas em livros diversos, todos elos de um valor para a minha vida que eu não saberia aquilatar.

Devo, de fato, a alguns livros o não me ter estraçalhado nem me perdido no difícil caminho que escolhi trilhar. Quanto a esses, O pobre de Deus sobressai com um dos mais significativos. Talvez possa arriscar dizer que ele me provocou uma mudança quase tão séria e radical quanto a do meu aluno capuchinho. São Francisco e Santa Clara o sabem muito bem.

Ao finalizar este breve texto, faço um  momento de silêncio e reverencio, movido pela mais profunda gratidão, essas figuras maravilhosas das quais Nikos kazantzákis é, para mim, um dos maiores luminares.       

 

About the Author

Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

View All Articles