Certa vez perguntaram a Clarice Lispector que título ela daria a sua autobiografia. A resposta foi sucinta…
11. Que mistério tem Clarice?
Pois em mim mesma eu vi como é o inferno.
Clarice Lispector
[Lispector, Clarice. A Paixão segundo G. H.]
Aqueles que, como Lúcia Cherem, uma das mais sensíveis leitoras de Clarice Lispector, frequentaram em Paris os seminários de Hélène Cixous – a mais importante leitora francesa de Clarice – puderam entender, um pouco melhor, o que realmente se passa. Nos anos 1980, Lúcia participou dos círculos de leitura de Clarice Lispector coordenados por Cixous. Neles, a filósofa pedia a seus parceiros que, depois de ler um trecho qualquer da escritora, se esforçassem para reproduzir o impacto pessoal, o golpe – as “facadas”, podemos sugerir – que a literatura de Clarice lhes impusera. Alguns choravam, outros se desesperavam, muitos se afundavam em recordações antigas, ou em meditações perigosas. Nessas horas, posso me arriscar a dizer, Clarice neles se encarnava. A literatura, que está nos livros, aparece muito além dos livros. Ali, sob a regência de Cixous, se reproduzia o choque que a literatura é capaz de promover. Ali, a literatura tomava corpo – tomava um corpo, vários corpos – e se mostrava viva. Ali, a coisa se encenava, o “isso” de que falava Clarice, aquilo que, ainda que estando dentro de um livro, não se deixa ler.
José Castello
[Castello, José. A literatura na poltrona. – Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 33.]
Este livro é como um livro qualquer. Mas eu ficaria contente se fosse lido apenas por pessoas de alma já formada. Aquelas que sabem que a aproximação, do que quer que seja, se faz gradualmente e penosamente – atravessando inclusive o oposto daquilo que se vai aproximar. Aquelas pessoas que, só elas, entenderão bem devagar que este livro nada tira de ninguém. A mim, por exemplo, o personagem G.H. foi dando pouco a pouco uma alegria difícil; mas chama-se alegria.
Clarice Lispector
[Lispector, Clarice. A paixão segundo G.H.: romance. – Rio de Janeiro: Rocco, 2009, p. 5.]
Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de…
Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece, como eu mergulhei. Não se…