Press ESC to close

17. O Caminho da Individuação

51 Articles
Vasco Arruda

Termo grego com o qual, no Novo Testamento, indica-se a transformação da própria identidade pessoal depois de uma experiência que transforma os valores até então adotados pelo indivíduo.
Jung retoma o termo para indicar o fenômeno de crise psicológica através do qual sucede a inversão radical de todos os valores sobre os quais está ordinariamente fundamentada a existência de um homem. A ilustração clássica da metanoia dá-se por ocasião da análise do limiar que liga e distingue a primeira e a segunda metade da vida: nessa fase de passagem pôr-se-iam na sombra todos os valores sobre os quais o indivíduo está fundamentado, e contemporaneamente pôr-se-iam em luz outros valores que estão em oposição com aqueles.
Paolo Francesco Pieri
[Pieri, Paolo Francesco. Dicionário junguianop. Tradução de Ivo Storniolo. – São Paulo: Paulus, 2002, Verbete: Metanoia, p. 323. – (Dicionários

Vasco Arruda

Encontramos em toda pessoa a ideia do Adão Cadmon – o Cristo em nós. Cristo é o segundo Adão, o que corresponde nas religiões orientais à ideia do atmã ou do homem total, do homem original, o homem “todo redondo” de PLATÃO – que é simbolizado por um círculo ou por uma pintura com motivos redondos. Encontramos todas essas ideias na mística medieval, na literatura alquimista em geral, desde o primeiro século da era cristã. Encontramo-las no gnosticismo e encontramos muitas delas naturalmente no Novo Testamento, em Paulo. Mas é um desenvolvimento absolutamente consistente da ideia de Cristo em nós – não o Cristo histórico fora de nós, mas o Cristo dentro de nós; e o argumento diz que é imoral deixar Cristo sofrer por nós, que ele já sofreu que chega e que devemos finalmente carregar nossos próprios pecados e não colocá-los sobre Cristo – nós todos deveríamos carregá-los em conjunto. Cristo expressa a mesma ideia quando diz: “Eu estou presente no menor de vossos irmãos”. E o que dizer, meu caro, se o menor de teus irmãos fosse você mesmo – o que dizer então? Então você percebe que Cristo não deveria ser o menor em sua vida e que nós temos um irmão dentro de nós que é realmente o menor de nossos irmãos, muito pior que o pobre mendigo a quem demos comida. Isto significa que temos dentro de nós uma sombra, alguém muito mau, alguém extremamente pobre, mas que precisa ser aceito. O que fez Cristo – sejamos bem banais – quando o consideramos como ser puramente humano? Cristo foi desobediente à sua mãe; Cristo desobedeceu à sua tradição; Cristo se apresentou como enganador e representou esse papel até o amargo fim; ele sustentou sua hipótese até seu triste fim. Como nasceu Cristo? Na maior miséria. Quem era seu pai? Era filho ilegítimo – do ponto de vista humano, uma situação lamentável: uma pobre moça que tinha um filho pequeno. Isto é o nosso símbolo, isto somos nós; nós somos tudo isto. E se alguém viver sua própria hipótese até o amargo fim (e tiver que pagar talvez com a morte) saberá que Cristo é seu irmão.
C. G. Jung
[Jung, C. G. III. A vida simbólica. Em: Jung, C. G. A vida simbólica: escritos diversos. Tradução de Araceli Elman, Edgar Orth; revisão literária de Lúcia Mathilde Endlich Orth; revisão técnica de Jette

Vasco Arruda

Desta vez foi em plena rua que ele se manifestou. Fiquei surpresíssimo, pois algo semelhante nunca me acontecera. Mas ele se manifestou, e o fez de uma forma totalmente inusitada. Na verdade, não era exatamente ele, mas passei por uma experiência tão estranha e surpreendente que, pelas características, só poderia mesmo ser coisa dele. E o curioso é que, a princípio, nem me dei conta do que estava acontecendo. Na verdade, somente alguns dias depois comecei a juntar as peças e montar o quebra-cabeças; foi aí que pude discernir o motivo para o que estava me acontecendo, qual era a fonte e que mensagem estava sendo transmitida.

Vasco Arruda

Devo a Victor Smirnoff algo de muito íntimo no meu modo de ser psicanalista. Algo que ele me transmitiu ou que ele permitiu que eu me apropriasse – e acho que essas duas possibilidades não se excluem. Há o homem com seu humor, sua vivacidade, a inteligência e a elegância, seu interesse pela literatura, pelo cinema, pelo teatro, pela música, pela pintura, pela política e pela vida comum da cidade. Era possível adivinhar o gourmand, o homem do mundo. Bem como a possibilidade das cóleras, das intransigências. Sua paixão pela psicanálise, seu engajamento no trabalho, a ética, a transversalidade em relação às teorias. Tudo isso, mais a invenção permanente do encontro, estava sempre presente, constituía o tecido de sua presença e, no entanto, não explica um contentamento alegre que sustentava, que estimulava. Eu me sentia no aconchego, era gostoso estar com ele pensando junto, era confortável, cosy, intenso.
Heitor O ´Dwyer de Macedo
[Macedo, Heitor O´Dwyer de. Cartas a uma jovem psicanalista. Tradução Claudia Berliner. São Paulo: Perspectiva, 2011, p. 157. (Estudos; 285)]

0 69
Vasco Arruda

A vida individual, qualquer que seja o tipo de sociedade, consiste em passar sucessivamente de uma idade a outra e de uma ocupação a outra. Nos lugares em que as idades são separadas, e também as ocupações, esta passagem é acompanhada por atos especiais, que, por exemplo, constituem, para os nossos ofícios, a aprendizagem, e que entre os semicivilizados consistem em cerimônias, porque entre eles nenhum ato é absolutamente independente do sagrado. Toda alteração na situação de um indivíduo implica aí ações e reações entre o profano e o sagrado, ações e reações que devem ser regulamentadas e vigiadas, a fim de a sociedade geral não sofrer nenhum constrangimento ou dano.
Arnold Van Gennep
[Gennep, Arnol Van. Os ritos de passagem: estudo sistemático dos ritos da porta e da soleira, da hospitalidade, da adoção, gravidez e parto, nascimento, infância, puberdade, iniciação, coroação, noivado, casamento, funerais, estações, etc. 2ª. ed. Tradução de Mariano Ferreira, apresentação de Roberto DaMatta. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011, p. 24.]

Vasco Arruda

Portanto, não temos vida simbólica, mas temos necessidade premente dela. Somente a vida simbólica pode expressar a necessidade da alma – a necessidade diária da alma, bem entendido. E pelo fato de as pessoas não terem isso, não conseguem sair dessa roda viva, dessa vida assustadora, maçante e banal onde são “nada mais do que”. No rito estão próximas de Deus; são até mesmo divinas. (…) A vida é racional demais, não há existência simbólica em que sou outra coisa, em que desempenho um papel, o meu papel, como um ator no drama divino da vida.
Carl Gustav Jung
[Jung, C. G. A vida simbólica: escritos diversos. Tradução de Araceli Elman, Edgar Orth; revisão literária de Lúcia Mathilde Endlich Orth; revisão técnica de Jette Bonaventura. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. – (Obras completas de C. G. Jung; v. 18/1) III. A vida simbólica, p. 273.]

0 41
Vasco Arruda

Nossa civilização repousa, falando de modo geral, sobre a supressão dos instintos. Cada indivíduo renuncia a uma parte dos seus atributos: a uma parcela do seu sentimento de onipotência ou ainda das inclinações vingativas ou agressivas de sua personalidade. Dessas contribuições resulta o acervo cultural comum de bens materiais e ideais. Além das exigências da vida, foram sem dúvida os sentimentos familiares derivados do erotismo que levaram o homem a fazer essa renúncia, que tem progressivamente aumentado com a evolução da civilização. Cada nova conquista foi sancionada pela religião, cada renúncia do indivíduo à satisfação instintual foi oferecida à divindade como um sacrifício, e foi declarado ‘ santo’ o proveito assim obtido pela comunidade. Aquele que em consequência de sua constituição indomável não consegue concordar com a supressão do instinto, torna-se um ‘criminoso’ , um ‘outlaw’, diante da sociedade – a menos que sua posição social ou suas capacidades excepcionais lhe permitam impor-se como um grande homem, um ‘herói’.
Sigmund Freud
[Freud, Sigmund. Moral sexual ‘civilizada’ e doença nervosa moderna. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, Vol. IX: ‘Gradiva’ de Jensen e outros trabalhos. Tradução do alemão e do inglês sob a direção-geral e revisão técnica de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago Ed. Ltda., 1976, p. 192.]

Vasco Arruda

O lugar a ser encontrado está dentro de você mesmo. Aprendi um pouco, a respeito, no atletismo. O atleta que está em excelente forma tem um ponto de quietude dentro de si mesmo, e é ao redor disso, de um modo ou de outro, que sua ação se exerce. Se estiver todo projetado lá fora, no campo ou na pista, ele não conseguirá um desempenho adequado. Minha esposa é bailarina e diz que isso é verdade na dança, também. Existe um centro de quietude, interior, que deve ser conhecido e preservado. Quando você perde esse centro, entra em tensão e começa a cair aos pedaços.
Joseph Campbell
[Campbell, Joseph com Moyers, Bill; org. por Betty Sue Flowers. O poder do mito. Tradução de Carlos Felipe Moisés. – São Paulo: Palas Athena, 1990, p. 171.]

Vasco Arruda

Muitos buscam nas palavras religiosas, bíblicas ou não, o seu norte. Outros preferem provar que a psicanálise é uma ciência e assim sentir-se seguros com ela. Talvez todos possam sentir-se com a verdade, cada um de sua forma, cada um com sua ilusão, como escreveu Calderon de La Barca: a vida é um sonho.
Abrão Slavutzky
[Slavutzky, Abrão. A ilusão tem futuro. Em: Wondracek, Karin Heller Kepler (organizadora). O futuro e a ilusão: um embate com Freud sobre psicanálise e religião. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2003, Cap. 5, p. 118.]