A cobertura da grande imprensa, geralmente hostil e amarga, à renúncia de Bento XVI, me fez recordar esta postagem do blog que resgatei para a data presente. Certamente o leitor identificará manobras e distorções feitas por muitos veículos de comunicação ao longo do pontificado do papa alemão. Não sabemos se elas são intencionais, mas que é estranho, é. O tópico sobre renúncia será acrescentado após o dia 28 de fevereiro.

 

1) Prepare escrupulosa e antecipadamente cada visita ou viagem apostólica de Bento XVI:

a) crie uma bela polêmica sobre os custos da viagem;

papaentrevistab) selecione acuradamente as possíveis temáticas (padres pedófilos, declínio de fiéis, desobediência dos bispos [exceto no Brasil, onde isto não existe!]; eventuais contrastes com Protestantes, Judeus e Muçulmanos);

c) faça de forma que a viagem seja precedida de uma crescente escalada de polêmicas. Eventualmente e no último minuto, finja estar chocado com o comportamento da mídia [se você quiser parecer “independente” e imparcial];

d) apresente a viagem como “a mais difícil do Pontificado”;

e) dê a máxima ressonância às manifestações de protesto que estão sendo organizadas. Inflacione as cifras que os organizadores lhe fornecem e insinue que os manifestantes serão mais numerosos que os fiéis;

f) avise aos seus leitores que as Missas e as Vigílias presididas pelo Papa Bento ficarão certamente desertas;

g) evidencie o fato de que o Papa Bento não conhece a realidade dos vários países que visita porque vive fechado no Vaticano (acariciando gatinhos, escrevendo livros e tocando piano);

h) entreviste sempre Hans Küng [no Brasil serve Leonardo Boff], uma verdadeira garantia;

i) pergunte sempre ao Padre Lombardi se, durante a viagem, o Papa encontrará vítimas de padres pedófilos;

j) no dia do embarque do Papa, escreva um artigo absolutamente negativo sobre a viagem em que fique claro que ninguém está esperando o Papa e que ele será acolhido com a frieza do gelo siberiano;

k) se por acaso o Papa visita a Alemanha, não se esqueça de citar a famosa frase “Nemo propheta in patria”.

2) Quando você percebe, durante a viagem, que a realidade é bem diferente daquela que descreveu ou está descrevendo:

a) não desanime;

b) se você é um jornalista televisivo, entreviste sempre que lhe diz que preferia João Paulo II ou que está ali por curiosidade e não para ver Bento XVI. Entreviste preferivelmente padres e seminaristas;

c) mostre as imagens dos manifestantes contrários mesmo se são “quatro gatos pingados”. Particularmente: use a PAP1 SAO PAULO 10/05/2007 GERAL VISITA PAPA BENTO XVI Joseph Ratzinger, Papa Bento XVI participa de encontro com jovens no estádio Paulo Machado de Carvalho  (Pacaembú). FOTO J.F.DIORIO/AEmetade dos poucos segundos que o seu telejornal lhe dá para falar das manifestações e não daquilo que faz ou diz o Papa;

d) se você é um jornalista da mídia impressa, procure não evidenciar que nas manifestações antipapais havia “quatro gatos pingados” e entreviste o porta-voz dos manifestantes, o qual inflacionará o número se necessário;

e) jamais chame a atenção dos leitores para o fato de que nas manifestações não havia as multidões esperadas;

f) jamais evidencie o número de fiéis que, por contraste, acorrem para ouvir o Papa Bento;

g) recorde-se que cada manifestante seja contado em dobro e que cada fiel vale a metade;

h) se, durante a visita, ocorre um episódio sem qualquer importância (falso atentado, falsas ameaças…), evidencie isso e não a atividade do Papa!

i) se o Papa diz: “defendamos a família”, você escreve: “Anátema do Papa contra os casais de fato”;

j) procure simplificar ao máximo e, se possível, faça o Papa dizer aquilo que não disse e/ou aquilo que você pensa ter sido o único a perceber;

k) se o Papa encontra as vítimas dos padres pedófilos, você tem duas alternativas: faça com que o encontro se torne a única razão da viagem ou (a tendência que prevalece desde 2011) ignore o evento e prossiga;

l) não se esqueça, porém, de avisar a seus leitores que o Papa não falou explicitamente de padres pedófilos;

m) se o Papa, porém, falar disto, finja não ter ouvido;

n) entreviste  Hans Küng ;

o) se o Papa o surpreende, não lhe dê muita satisfação. Você sempre poderá dizer que este Pontífice tem uma linguagem complexa que não chega ao homem comum;

p) se você tem duas cifras disponíveis sobre a presença dos fiéis, indique sempre a mais baixa;

q) evidencie ao máximo que havia sim muitos fiéis mas que provavelmente estavam lá por curiosidade ou por acaso;

r) jamais escreva que estranhamente os fiéis são movidos pela curiosidade apenas quando o Papa Bento está medido no meio;

s) se puder, ignore totalmente o restante da viagem.

Bento-XVI3) Quando a viagem foi concluída e você se dá conta de haver cometido, como sempre, uma quantidade exagerada de erros:

a) procure esquecer o mais depressa possível a viagem e não fale mais dela;

b) entreviste Hans Küng  para que ilumine os leitores com sua palavra.

4) Lembre-se sempre de que o tema “pedofilia na Igreja” é o assunto mais popular dos últimos anos:

a) aproveite cada ocasião que se apresentar;

b) fique tranqüilo: geralmente a Santa Sé jamais intervém em defesa do Papa, sobretudo em relação a este assunto. Siga adiante seguro da impunidade;

c) quando se difundir notícias sobre novas acusações contra o Papa (por exemplo, uma denúncia à Haia), finja não saber que Ratzinger é o homem que mais fez nas últimas décadas para combater a praga dos padres pedófilos;

d) nunca cite as medidas e o exemplo do Papa Ratzinger;

e) comporte-se como se fosse a primeira vez que o Papa é acusado de algo;

f) ataque o Papa na primeira página, preferivelmente com uma foto de costas;

g) cite, de passagem, o caso do Padre X., mesmo que já tenha sido abundantemente explicado;

h) cite também o irmão do Papa mesmo que nada tenha a ver com os casos de pedofilia verificados no coro de Ratisbona;

i) É FUNDAMENTAL que você jamais destaque que os casos de pedofilia de que se trata, se deram há décadas;

j) faça de forma que os leitores pensem que o escândalo de pedofilia tenha surgido no Pontificado ratzingeriano;

k) jamais cite outros Pontificados;

l) nunca aponte para o fato de que Ratzinger é o único Papa que se encontrou ao menos seis vezes com as vítimas dos pedófilos;

m) entreviste Hans Küng ;

n) quando as coisas se tornam sérias para a Igreja, jogue toda a responsabilidade sobre Ratzinger, mas se você percebe que o vento muda, escreva que os méritos não são apenas de Bento XVI;

o) jamais e por nenhum razão no mundo deverá escrever ou pronunciar o nome de Maciel;

p) continue a bater na tecla da abertura dos arquivos, fingindo ignorar o bem feito nestes últimos anos;

q) entreviste o porta-voz das associações de vítimas que mais atacam o Vaticano;

r) sirva de megafone para os advogados das vítimas e não conceda jamais à outra parte o benefício da dúvida;

s) quando o Vaticano se cala (isto é, sempre) mas comentaristas e editorialistas autorizados fazem notar que é um absurdo culpar Ratzinger, o Papa que mais fez contra os pedófilos, dê marcha-ré imediatamente e não fale mais de denúncia à Haia;

t) insinue que Bento XVI poderia fazer muito mais ou então que é muito duro e pouco misericordioso com os papaentrevista3culpados. Em suma, faça de modo que tenha sempre a culpa!

u) omita recordar que desde 1988 Ratzinger pede maior severidade na punição dos culpados;

v) sempre finja ignorar que a Congregação para a Doutrina da Fé é competente nos casos de pedofilia no clero apenas a partir de 2001;

w) lembre-se de que, em relação a este assunto, há nomes que podem ser citados e outros que, embora vivos e com saúde, jamais devem ser envolvidos.

4) Quando o Papa faz um importante discurso:

a) regra de ouro: ignore-o!

b) finja que o Papa não tenha falado, exceto para lamentar o fato de que o Papa não se expressou sobre um determinado assunto;

c) distorça o pensamento do papa quando ele diz algo que não agrada a você ou a seu editor;

d) force alguns conceitos se as frases do Papa possam ser interpretadas a favor de sua ideologia política ou da de seu editor;

e) o “sim” à vida deve tornar-se o “não à pílula do dia seguinte”, o “sim” à família deve tornar-se o “não aos casais de fato e, em particular, aos gays”;

f) se o Papa “repreende” os bispos de um certo país, tome sempre a defesa dos prelados em nome da colegialidade!

g) cite sempre o Concílio e insinue que o Papa quer anular todos os documentos conciliares;

h) entreviste Hans Küng para que recorde mais uma vez ter sido perito conciliar

i) lembre-se sempre de evidenciar que Bento XVI não faz nada e não diz nada que não tenha já dito ou feito o seu predecessor;

j) se o Papa diz algo que vai contra a sua fé política ou a de seu editor, vá correndo para a praça pública e grite: “Ingerência!”;

k) se o Papa, porém, disser algo contra a ideologia do partido que não agrada a você ou a seu editor, postule a advertência papal, o anátema ou a eventual excomunhão. Recorde que o Santo Padre e a Igreja não podem se calar. Cante “Hosanas” quando Bento XVI se exprime como agrada a você e a seu editor;

l) destaque que Bento XVI não é um Papa político mas, se fala de ética, faça com que as pessoas percebem que ele comete grave ingerência nos negócios políticos de um outro país;

m) a tal propósito cita o otto per mille [uma espécie de imposto italiano voluntário destinado às confissões religiosas], omitindo que ele vai para a CEI [conferência dos bispos italianos] e não para o Vaticano.

Capa da Revista Veja por ocasião da eleição do papa Bento XVI.

Capa da Revista Veja por ocasião da eleição do papa Bento XVI.

5) Quando se fala de Bento XVI na televisão:

a) evidencie sempre que é diferente de seu predecessor;

b) insinue que tem menos carisma ou que sequer tem algum;

c) entreviste pessoas que declaram preferir outros Papas;

d) se se está falando do Papa Bento, faça de modo que o discurso termine nos outros;

e) convide padres, bispos e cardeais muito hábeis em não falar do Papa Bento;

f) se é mesmo obrigado a fazer um programa sobre Ratzinger, o ponha no ar de manhã bem cedo ou à noite bem tarde;

g) faça transmissões ao vivo do Papa somente quando é necessário;

h) se possível grave os eventos e os transmita tarde da noite;

i) finja maravilhar-se se o Papa faz algo de inesperado;

j) recorde aos telespectadores que quando foi eleito lhe parecia frio por ser alemão;

k) destaque que é um professor como se fosse um título de demérito;

l) procure fazer de forma que na mesma rede, na mesma semana (melhor ainda se no mesmo dia), o Papa Bento seja posto na berlinda enquanto o seu predecessor seja recordado com afeto;

m) quer, por acaso, deixar de entrevistar Hans Küng ?

6) Se vêem à tona fatos ocorridos antes de 19 de abril de 2005:

a) faça de forma que seja questionado o Papa Ratzinger;

b) recolha apelos a fim de que o Papa intervenha em primeira pessoa, abrindo arquivos ou fazendo ele próprio apelos também sobre fatos de que não possa ter conhecimento;

c) entreviste Hans Küng .

7) Quando se fala da relação entre Bento XVI e as outras religiões ou confissões cristãs:

a) ponha-se sempre, e em qualquer circunstância, do lado dos Protestantes;

b) quando se trata dos amigos judeus, não deixe de citar o fato de que o Papa é alemão, que revogou as excomunhões dos bispos lefebvrianos, em particular de Williamson, e que publicou a Summorum Pontificum;

c) evite como a peste recordar que a oração da Sexta-feira Santa jamais foi modificada nem por Paulo VI, nem por João Paulo II, e que Bento XVI a mudou para ir ao encontro dos judeus;

d) defenda sem reservas a tese do silêncio de Pio XII e recorde que Bento XVI declarou venerável o Papa Pacelli, mas omita observar que o processo de beatificação foi aberto em 1967;

e) quando se trata dos amigos muçulmanos, cite sempre o discurso de Ratisbona como pedra de tropeço;

f) faça sempre referência à aula de Ratisbona chamando-a “gafe”, “lapso”, “incidente”, como preferir;

g) por nada no mundo você deverá citar os progressos no diálogo entre católicos e muçulmanos ocorridos depois do discurso de Ratisbona;

h) não nomeie jamais os irmãos ortodoxos;

i) se os citar, jamais mencione a reaproximação entre católicos e ortodoxos, atribuindo o mérito ao Papa Bento XVI;

j) entreviste Hans Küng

8) Se há um aniversário particular que diz respeito ao Papa Bento:

a) regra de platina: ignore-o!

b) aja exatamente como se fez em 29 de junho de 2011 (60º aniversário de ordenação): finja que seja um dia qualquer para a Igreja;

c) esteja atento: comece já a pensar em 16 de abril de 2012, dia em que Bento XVI completará 85 anos;

d) de modo algum deverá se tornar uma ocasião para celebrar o Papa ou para constatar sua jovialidade mental e sua resistência física;

e) prepare-se desde já para o evento insistindo sobre a possibilidade de demissão;

f) a tal propósito não deixar de ouvir o parecer de Hans Küng

9) No que diz respeito às multidões que assistem aos eventos presididos por Bento XVI:b6

a) regra de diamante: ignore-as!

b) finja não ver os fiéis que participam do Ângelus e das audiências gerais;

c) se se apresenta um fiel a menos do que o previsto, faça disto a manchete e conte com o ábaco;

d) se porém as presenças superarem as expectativas, finja não ser nada, olhe para o outro lado e não fale mais disso;

e) insinua que os fiéis acorrem por causa da novidade, mas omita recordar que Bento é Papa há seis anos e meio;

f) para reforçar a tese conceda o devido espaço a Hans Küng

Fonte: Obaltvs

About the Author

Vanderlúcio Souza

Padre da Arquidiocese de Fortaleza. À busca de colaborar com a Verdade.

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