Aqui escrevo, não na qualidade de assessor de imprensa ou algo que o valha, mas como um fiel católico que tem procurado viver o chamado ao sacerdócio. Senti-me na obrigação de escrever ao jornalista Demitri Túlio  ante sua coluna desta quinta-feira, publicada no O Povo [https://www.opovo.com.br/jornal/farol/2018/02/cenario-pela-vida-jose.html ]  na qual faz críticas diretas ao nosso arcebispo dom José Antonio. 

Prezado, Demitri.

Senti-me na obrigação de fiel católico fazer alguns esclarecimentos e expor  impressões acerca de seu texto. Faço isso com muito respeito à sua trajetória premiada no jornalismo cearense. As letras são públicas porque suas críticas direcionadas ao arcebispo de Fortaleza também o foram. Inicio dando-lhe a informação, posta de forma incorreta em seu texto, que a Campanha da Fraternidade -CF  nunca fora lançada no Palácio Episcopal, esse, aliás, é um termo em desuso. Hoje é utilizado Residência ou simplesmente casa do bispo. A CF é sempre lançada no coração pastoral da Arquidiocese que é o Centro de Pastoral em data também marcante, a Quarta- Feira de Cinzas que abre a preparação para o período mais importante do povo católico, que é a Páscoa. Entendo sua reivindicação, mas preciso informá-lo que a opção preferencial da Igreja pelos pobres não acontece simplesmente em alguns  eventos –  que poderia soar até como oportunismo – , mas ela acontece no dia a dia.

Sabe o local onde aconteceu a  Chacina? Lá faz parte da  comunidade do Barreirão, possui uma capela dedicada à Nossa Senhora de Guadalupe. Os padres Barnabitas, a Congregação das irmãs Angélicas e das irmãs Preciosinas, além de catequistas e diversas outras expressões eclesiais estão  diuturnamente fazendo resplandecer a face de Cristo, testemunhando ao mundo a opção da Igreja pelos pobres. Mas sem pirotecnia, sensacionalismo, golpes de marketing. Agem no escondimento como determina o Evangelho, como o fermento levedando a massa, sofrendo inclusive da mesma insegurança dos demais moradores da região. Eles são Igreja, agem em nome de Cristo, em unidade e profunda comunhão com o arcebispo. É certo que estamos acostumados com os líderes civis que nestas horas aparecem in loco, dão algumas declarações, dizem frases de efeito, são fotografados, filmados, escutados; Jornalistas que por sua vez escrevem textos pujantes a partir de suas bancadas ou pisando pela primeira vez no local. Mas na Igreja é diferente, a ação é contínua, a presença é como a de uma vela consumido-se para iluminar dia e noite esses locais desafortunados, esquecidos do poder público.

Realmente poderia render até chamada nacional o arcebispo antecipar o início da campanha da fraternidade, quem sabe até foto de capa em muitos jornais,  mas a ação da Igreja não se restringe a uma campanha, ainda mais em situações tão dramáticas como esta que dizimou tantas vidas. Demitri, desde a publicização do terrível morticínio há um sacerdote acompanhando todo o desdobramento dos fatos em nome do arcebispo, pois o representa de direito  naquela região, mas talvez isso não seja importante mencionar, afinal parece que se quer é criticar o “pastor católico” que de alguma forma não se encaixa no perfil idealizado por você.

Em outro parágrafo você sugere que o alto índice de violência seja motivo para que a Igreja “seja luz nas discussões de como reencontrar o caminho da paz pública”. Sim é verdade, e toda ação da Igreja visa o bem comum, uma consequência de sua missão de salvar almas. É o que ela tem procurado fazer. É louvável o reconhecimento que você faz do papel da Igreja na sociedade, não obstante tantas vezes esta instituição bimilenar  seja rotulada de retrógrada, conservadora e ultrapassada pelos mesmos que exigem dela uma resposta para problemas que deveriam ser solucionados pelo Estado, como insegurança.

A última porção de texto você não consegue mais esconder –  o que dá  a entender ao leitor – o tremendo preconceito ao arcebispo. Sobe o velho e batido discurso de ódio das classes sociais. Em tempos de violência lá vem você com ódio na tinta. Mesmo o arcebispo morando no bairro Centro você o destina a “Aldeota” como se fosse um bairro que desmerecesse seus moradores. Ou sugerindo que o arcebispo é um encastelado da área nobre. Fique sabendo estimado jornalista que o arcebispo conhece como poucos o território desta arquidiocese que abrange trinta cidades. Sabe muito bem seus desafios, riquezas, sua gente, dores e esperanças.

Acredito que você nem tenha se dado ao trabalho de checar o destino do “pastor católico” nesta sexta-feira, onde estará a 80 km da capital, em local pobre, dos mais necessitados de nossa Arquidiocese. Mas isso não conta. Vale mesmo é escrever a partir do preconceito que se criou. Talvez para você seja difícil compreender que um padre, ainda mais vigário episcopal, age na pessoa do bispo, o representa legitimamente e celebrará uma Eucaristia que tem o mesmo valor que uma presidida pelo papa.

Valoriza-se muito as aparências é verdade, a pirotecnia, afinal não se pode perder o momento, logo virá outro acontecimento  e a tragédia de hoje será fato de ontem, notícia velha. Aquilo que é discreto não vale mencionar, o encontro do líder católico  com os representantes da comunidade, a visita pastoral de rotina feita ao bairro recentemente pelo arcebispo…Nada disso conta quando se quer apenas criticar.

Em tempos de tantos conflitos, um outro texto seu, publicado no mesmo dia, dizia que setores da Igreja estavam como que disputando pela missa de sétimo dia das vítimas.Ora, ora Demitri. Acompanhei desde o início a intenção de padre Clairton, o diálogo com a comunidade local, a resolução a que chegaram. Não houve competição como sugeriu o lide da sua matéria, crítica dessa ou daquela realidade eclesial. Vamos usar a influência que temos para unir, para fazer o bem, para circular a caridade da Aldeota à periferia.

Vou ficando por aqui, deixando meus votos de cordialidade e desejos de que derrubemos os muros do preconceito – como ensina o Papa Francisco – e construamos pontes. O arcebispo de Fortaleza é um homem muito sábio, discreto, de uma ação pastoral pontual, eficaz, ou você não lembra quem ajudou a por fim na famigerada greve da polícia em janeiro de 2012?

Francisco Vanderlúcio Souza

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Vanderlúcio Souza

Padre da Arquidiocese de Fortaleza. À busca de colaborar com a Verdade.

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