“Capitão Fantástico”, de fato, só estreia dentro de duas quintas-feiras. Mas, em honra ao “Dia de Noam Chomsky”, o Cinema às 8 antecipa a crítica da curiosa dramédia indie de Matt Ross.
Começa com uma família, uma floresta e uma noção de vida pareada à sobrevivência. E, de repente, entra a física teórica, o filósofo Noam Chomsky e correntes ideológicas divergentes do comunismo. A única viagem mais agradável do que a temática proposta por Matt Ross em “Capitão Fantástico” é aquela que vai da comédia ao drama.
Com roteiro robusto de conceitos e recheado de sentimentos, o filme mostra a família de sete capitaneada por Ben (o sempre ótimo Viggo Mortensen). Em meio a uma floresta, ele prepara filhos para os rigores físicos e intelectuais da vida. De dia, uma rotina pesada de exercícios. À noite, leituras que vão de romances russos a livros sobre física quântica. Em meio a tudo, eles caçam, plantam o que comem, estudam em casa e vivem uma vida à margem da sociedade capitalista.
Até que a notícia da morte da mãe dos seis garotos chega e os sete precisam encarar o resto do mundo. A primeira parte da trama é focada na comédia, salpicada de drama a partir da notícia do suicídio da matriarca em meio a uma crise depressiva de seu transtorno bipolar. Mas toda a surrealidade das discussões dão um tempero imprevisível a “Capitão Fantástico”. Era fácil explorar apenas a relação de diferença entre os seis filhos de Ben e as outras crianças/adolescentes, mas Ross (também roteirista) explora a erudição teórica da família para fazer graça. O diálogo entre um pai, supostamente stalinista e um filho maoísta confundido contra trotskista dá um nó no cérebro e um sorriso no rosto mesmo de quem não sabe diferenciar as correntes comunistas do século XX.
Um dos melhores momentos para exemplificar essa leveza da comédia salpicada de drama é quando Ben resolve parar o ônibus em que viaja com os filhos para o enterro da mãe para comemorar a data especial de dezembro. Natal? Nada, isso é dia cristão que estimula o consumo. Eles celebram o 7 de dezembro: aniversário do linguista, ativista de direitos humanos e da esquerda, Noam Chomsky. Explicar para um adolescente que é melhor relembrar o grande trabalho de um cientista/filósofo do que esperar por um duende que dá presente é de uma genialidade inesperada.
Diante de tamanha conceituação política, o filme tem um grande mérito de não tropeçar rumo ao maniqueísmo. Não é, afinal, um filme que prega que o comunismo é melhor do que o capitalismo. Ou o contrário. É sobre a dificuldade de ter 100% da responsabilidade de criar um indivíduo. Ou melhor, seis deles. Seria fácil vilanizar Jack (Frank Langella), avô materno das crianças, para glorificar Ben. E Ross o faz. Mas também reverte o jogo, mostrando que impor seu estilo de vida também pode ser perigoso e arbitrário.
Apesar de encantador e divertido em sua maioria, “Capitão Fantástico” tem um sério problema de roteiro no seu terceiro ato. E isso talvez pareça spoiler para olhos mais sensíveis. Fato é que o conflito de todo o filme gira em torno da tarefa hercúlea de se criar os filhos — ainda mais seis. A parte final de “Capitão Fantástico”, no entanto, recorre a “soluções mágicas”, Deus Ex Machina para encaixar uma solução perfeita para a trama.
Crimes sem consequências, relacionamentos reparados milagrosamente e antigos desafetos esquecidos parecem sumir em meio à musicalidade e à sensibilidade. Acaba que é uma quebra muito grande em um roteiro bem construído, mas que não soube se resolver. Existe uma aura realista permeando toda a fábula da família “comunista”, algo que passa a ser ignorada arbitrariamente ao fim da obra.
Para além disso, “Capitão Fantástico” prega um ativismo para se lutar pelo que se acredita, ainda que sem radicalismos. E isso vale para Ben, para os filhos Bodevan, Kielyr, Vespyr, Rellian, Zaja, Nai, da mesma forma como para seus avós e tios mais tradicionalistas.
Cotação: nota 6/8.
Ficha técnica
Capitão Fantástico (EUA, 2016), de Matt Ross. Comédia/Drama. 118 minutos. 18 anos. Com Viggo Mortensen e Frank Langella.