Se pegarmos o alicerce de referências de “Vida”, ficção científica de horror dirigida pelo sueco Daniel Espinosa, vem rápido a garantia de qualidade. Quase um desmembramento de “Alien, O Oitavo Passageiro” (1979), o longa conta ainda com um clima de isolamento em uma estação espacial que remete a “Gravidade” (2013), adicionado de uma ameaça mutante e hiperinteligente que lembra “Enigma do Outro Mundo” (1982) ou a ficção do escritor H. P. Lovecraft (1890 – 1937). Ou seja, a tecnologia de hoje servindo a uma trama que remete a, talvez, as duas melhores ficções científicas de horror da história e que foram dirigidas pelos gênios Ridley Scott e John Carpenter, respectivamente. Tinha como dar errado?

No espaço, ninguém lhe ouve gritar… enquanto chora… na chuva

Bom, cinema não é preto no branco. Não existe fórmula mágica e boas referências podem render pastiches maçantes ou roteiros macarrônicos que lutam para se desgarrar da referência. “Vida” começa bem. Tal qual Ridley Scott em “Alien”, Espinosa solta a câmera por entre os seis tripulantes da Estação Espacial Internacional (ISS), sem revelar exatamente quem comandará a ação da história. Claro que os currículos de Jake Gyllenhaal e Ryan Reynolds dão uma desconfiança, algo que a tenente Ripley (Sigourney Weaver) escondia em “Alien”, mas, ainda assim, a mise-en-scène bem coordenada consegue expor os vínculos formados entre os astronautas.

Inteligentemente, o roteiro abre com um ato de coragem, de heroísmo de Rory (Reynolds), o que expunha a união do grupo. É ele quem consegue recuperar uma sonda vinda de Marte, onde se encontra uma possibilidade de forma de vida extraterrestre. Cabe ao biólogo Hugh (Ariyon Bakare) descobrir como lidar com aquilo que era apenas uma célula. Após ser “ativado”, porém, não parece ser difícil interagir com o ser alienígena, apelidado de “Calvin”. O pequeno marciano é formado por células que, ao mesmo tempo, funcionam como “músculos, cérebro e olhos”, o que, para Hugh, é uma esperança de salto biogenético maior do que as células-tronco e pode até desencadear uma noção de pós-vida (?). A paixão do cientista pelo ser, no entanto, é punida rapidamente.

Aperto de mão de Calvin

A base estrutural do roteiro vem de zonas de confinamento para Calvin – firewalls, como são chamados pela médica Miranda (Rebecca Ferguson). Eles seriam as garantias de segurança da tripulação e, quiçá, da própria Terra. Só que, como de costume em filmes de horror de roteiro preguiçoso, ninguém parece ter noção de como funcionam os protocolos de segurança. Seis astronautas, de quatro nacionalidades, e apenas Miranda tem noção de como agir. A premissa, então, cai no clichê. Historicamente, filmes de horror estabelecem critérios morais e “punem” quem quebrar as regras. Só que em “Vida”, ninguém dobra a moral porque ninguém parece saber exatamente o que são os firewalls.

Para tentar se diferenciar das referências, “Vida” aposta em clichês ainda mais mastigados. Um romance insosso, um astronauta que acabara de virar pai, atos de heroísmo sem critério etc. O foco nos humanos, ainda que acertado, parece fora de tom, enquanto “Calvin” cresce e evolui rapidamente. A criatura, de clara influência lovecraftiana, tem um design mutante e assustador e cresce como o principal atrativo do longa. O roteiro, no entanto, bate cabeça tentando justificar as ações do ser superinteligente. Como se horror de criatura espacial precisasse de motivações, o filme investe em explicações filosóficas e tenta emplacar uma lógica em um ser cuja inteligência parece ser inata, já que ela não teve contato com outros seres para adquirir conhecimento. Funciona mais como diálogo interno de Hugh, que vê em Calvin a cura de sua deficiência física, mas é tratado de forma mais orgânica, como parte de um ser sanguinário.

Oi, meu nome é Calvin e eu sou fofo

Com referências certas e bem usadas, “Vida” consegue se diferenciar dos filmes que cita. A falta de polimento da trama, por outro lado, deixa um gosto amargo. O ápice da ficção científica, por exemplo, beira o surrealismo e um improviso forçado por produtores. Em suma, “Vida” não está aos pés de “Enigma do Outro Mundo” ou “Alien, o Oitavo Passageiro”. Mas que filmes podem dizer que estão?

Cotação: nota 4/8

Ficha técnica
Vida (Life, EUA, 2017), de Daniel Espinosa. Ficção científica/Horror.

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André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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