É fácil dizer que “Mulher-Maravilha”, de Patty Jenkins, é o melhor filme da DC/Warner. Meio que não existe uma competição. Também é óbvio compará-lo com obras da Marvel, já que a estrutura narrativa de longas de super-heróis é um pastiche revisitado. Neste caso, a obra é algo entre o senso de humor de “Capitão América: O Primeiro Vingador” (2011) e o conceito mitológico de “Thor” (2011). Só que, ao mesmo tempo, tudo ali é diferente. Tudo responde a um contexto muito mais importante.

Steve (Chris Pine) e Diana (Gal Gadot): casal carismático

“Mulher-Maravilha”. O nome já é uma quebra. E depois de 30 filmes em nove anos do combo Marvel/DC/Fox/Sony, finalmente o gênero feminino comanda uma aventura solo. E mais: a diretora é Patty Jenkins (de “Monster: Desejo Assassino”/2003), o que por si só mostra uma inclinação para um viés embebido de feminismo. Já ali, no início do primeiro ato, a princesa amazona Diana mostra que, mesmo em utopias ginocêntricas, mulheres amadurecem rápido. A Mulher-Maravilha de Gal Gadot é uma personagem que já surge pronta. Ao contrário dos Batmans, Supermans, Homens-Aranhas e Capitães América, ela não toma tragédias pessoais como muletas: ela usa a dor para afiar seu senso moral. É, talvez, uma metáfora para a forma como a sociedade obriga as mulheres a amadurecerem cedo e são permissivas a homens “eternamente adolescentes”.

É recompensador encontrar uma personagem que não se perde em dilemas de personalidade. Diana Prince sabe quem é, por mais que não conheça detalhes da própria origem. Ela é o norte ético que o Superman nunca foi nessa geração do universo DC nos cinemas. Tendo crescido como a única criança na mitológica ilha das amazonas, Temiscira, Diana tem duas figuras maternas. A superprotetora mãe, Hipólita (Connie Nielsen), rainha das guerreiras, e a severa tia Antiope (Robin Wright), general e treinadora da jovem amazona. As três são líderes amazonas, tribo da mitologia grega e que, na adaptação da DC, tem como principal inimigo o deus grego da guerra: Ares.

No primeiro ato, em Temiscira, as cores são saturadas

É verdade que, assim como em “Thor”, a mitologia de um povo tradicional europeu é açucarada em uma versão com uma ligeira verossimilhança. E, bem, lógica interna nunca foi o forte de longas de super-heróis – em “Mulher-Maravilha”, os idiomas falados entre os personagens beira o randômico. Mas, como dito antes, há um contexto geral que justifica parte da forçação de barra. Como exemplo, temos a chegada do capitão Steve Trevor (Chris Pine) a Temiscira e o ano em que se passa a história. É tão comum se ver um filme sobre a II Guerra Mundial como um homem protagonizando um filme baseado em quadrinhos. A primeira Grande Guerra, no entanto, é patinho feito. Bom, a DC/Warner matou dois coelhos com uma cajadada (ou “caixa d’água”, que é bem mais agressivo, porém divertido).

O inimigo máximo das amazonas? O deus da guerra. O contexto? “A guerra para acabar com todas as guerras”. Depois de salvar o charmoso “homem comum”, Diana Prince se veste de seu complexo de Messias e parte em busca do principal fronte de guerra – onde, tem certeza, encontrará Ares. A partir daí, surge um humor estilo Marvel um pouco forçado, cenas de ação com cheiro de DC/Warner/Zack Snyder (ou seja, muito slow-motion) e uma série de personagens esquecíveis. O bom é que o senso de justiça de Diana é contagiante e o carisma canastrão de Chris Pine segue intacto.

A partir da chegada em Londres, tudo fica mais soturno

O segundo e terceiro atos são menos bem sucedidos. A fotografia perde saturação e se tenta impor uma lógica de filme de guerra. Patty Jenkins consegue impor uma boa noção, uma dimensão cruel da dureza do campo de batalha. Só falta um pouco mais de robustez no conceito de “guerra”. Algo que vá além de “super-heroína desvia todas as balas do mundo com seus braceletes indestrutíveis”. Já o ato final perde parte da força por conta da abertura do filme, com uma narração em off da própria Diana no presente, relembrando da década de 1940. Aviso de spoiler: o filme tinha uma boa oportunidade de fugir do vilão clássico, mas hesitou em tentar algo na linha “Homem de Ferro 3”. Justo, ainda que eu esteja mais que saturado das “batalhas finais entre herói e vilão de origens semelhantes”.

“Mulher-Maravilha” é mais do mesmo. Mas é novidade. É lotado de excessos, a começar pelos 145 minutos de duração. Antes de tudo, porém, é um filme que oferece uma perspectiva muito mais brilhante e duradoura do que qualquer outro longa de super-herói. No fim das contas, gosta quem estiver disposto a gostar, desgosta quem não está a fim de embarcar na aventura da princesa amazona. Só que, sinceramente, é sempre assim. E um dos lados bons é poder discordar eternamente sobre algo tão frágil quanto um enredo de filme de super-herói. Dissonância é essencial para toda a arte.

(andrebloc@opovo.com.br)

Cotação: nota 5/8

Ficha técnica
Mulher-Maravilha (Wonder Woman, EUA, 2017), de Patty Jenkins. Aventura. 12 anos. 145 minutos. Com Gal Gadot e Chris Pine.

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André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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