Polo aglutinador de jovens em busca de novidades, o Lira Paulistana nasceu em 25 de outubro de 1979 e, por seis anos, manteve hasteada sua bandeira de liberdade criativa e profusão intelectual. Essa história de resistência está sendo contada em detalhes no livro Um delírio de porão, do cearense Riba de Castro, produtor, cineasta e um dos proprietários da casa. Com patrocínio da Natura Musical através da Lei de Incentivo à Cultura, a publicação esmiúça a história do Lira em 206 páginas de depoimentos e muitas fotos raras. O projeto rendeu ainda o documentário Lira Paulistana e a Vanguarda Paulista, dirigido por Riba, e um site que reúne mais histórias e imagens.
Se o Lira Paulistana era a igreja de quem queria absorver e expressar novas ideias, Itamar Assumpção era o messias daquela geração. Líder involuntário do movimento que ficou conhecido como Vanguarda Paulistana (ou Paulista), o compositor de Tietê reuniu em torno de si uma série de novos nomes que faziam música e andavam à margem do que ditava a indústria fonográfica. Grupo Rumo, Premeditando o Breque, Tetê Espíndola & o Lírio Selvagem, Banda Isca de Polícia e Arrigo Barnabé integravam esse time que propunha pequenas revoluções sonoras, estéticas e artísticas.
Como esse time encontrava pouco espaço nas gravadoras, o Lira também virou selo fonográfico. A estreia no selo foi com Beleléu, leléu, eu (1980), primeiro e obrigatório disco de Itamar. Em seguida, veio toda a turma da Vanguarda e mais Ratos de Porão, Tom Zé e outros. Depois de 20 anos sem gravações, Aracy de Almeida também foi convidada a se apresentar naquela casa. O show rendeu o disco Ao vivo e à vontade, lançado em 1988, ano que a cantora faleceu vitimada por um edema pulmonar aos 74 anos. Na apresentação informal, a Araca revisita velhos sambas de Noel Rosa.
[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=Vu53kg2z9xo[/youtube]Com o mesmo clima de liberdade para tudo aquilo que não achava espaço na indústria, a marca Lira Paulistana passou a abrigar editora de livros, gráfica, jornal, loja de discos e galeria de arte. Com o tempo e o crescimento do público, eles também passaram a realizar eventos na Praça Benedito Calixto, que fica em frente ao Lira. Mas aí, por volta de 1984, os donos do local começaram a engatar outros projetos, ao mesmo tempo que outras casas passaram a receber a cena independente paulista. Além disso, a Vanguarda Paulistana havia crescido e seu público não cabia mais naquele porão apertado. Nessa época, os punks haviam ocupado o espaço com shows que, quase sempre, terminavam em depredações. Foi então que veio o tiro de misericórdia com um comunicado da prefeitura para que o Lira Paulistana fizesse reformas estruturais. Sem dinheiro, o jeito foi passar o ponto e encerrar uma das histórias mais interessantes da música brasileira.