Dos movimentos musicais surgidos do final dos anos 1960 até agora em Fortaleza, destaco o Pessoal do Ceará como o que teve a maior visibilidade e sucesso, lançando a trindade Belchior, Ednardo, Fagner, e revelando também Rodger Rogério, Teti e Amelinha. Em seguida tivemos a Massafeira, que em meados dos anos 1970, nos trouxe toda uma geração de compositores e cantores dos quais destaco Mona Gadelha, Lúcio Ricardo, Francisco Casaverde, Chico Pio, Calé Alencar, Tazo Costa, Regis e Rogério Soares entre outros.

Boa parte dessa turma tentou carreira no sul maravilha, abrindo uma lacuna nos anos 1980 por aqui e que só seria suprida no final da década, com a chegada do que chamo aqui de “Geração 90”. Destaco aqui os quatro mais representativos: Davi Duarte, Edmar Gonçalves, Kátia Freitas e Paulo Façanha.Todos com um talento excepcional para a composição além de serem grandes cantores e intérpretes.

https://www.youtube.com/watch?v=3rErCwNMUOs

Davi começou a aprender violão em grupos de jovens, aos 12 anos de idade, influenciado pelo amigo Renato Campos, participando de festivais de colégio. Aos 15 anos, começou a trabalhar na noite, em bares da época – Kanto Novo, Kina Fresca, cantando e tocando músicas, de Caetano Veloso a hits de FM. Estreou em show no Teatro Universitário com as primeiras canções autorais, e montou o show Sintonia em 1984 (eu dividi a direção musical desse show com ele).

Em seguida foi morar uma temporada em SP, onde tocou nos grupos Lótus (instrumental) e Canto a Canto (estilo Boca Livre/ MPB-4) que se apresentavam em locais de renome, como a choperia do Sesc Pompeia e no bar Vou Vivendo, do compositor Eduardo Gudin. Davi retorna a Fortaleza em 1991 e começa a se apresentar nos Festivais de Camocim, Meruoca e Canta Nordeste, ganhando vários prêmios. Nessa época, começou a gravar e compor jingles. Alguns ficaram famosos (Balú, Bom de Vera) e ele teve várias músicas gravadas por intérpretes como Marcus Café, Aparecida Silvino, Kátia Freitas e Waldonys que chegaram a tocar em rádio (A Noite, Babe Baby, Presente , O que eu queria). Ele lançou três discos solo: Dentro do Sonho (de 1997, produzido por Manassés), Essencial (2002) e Palavra Música (2005). Participa como intérprete convidado em mais de 40 discos. Seu projeto mais recente é o show Somos todos nós assim, com Isaac Cândido e Pedro Frota.

Edmar teve os primeiros contatos com música através da radiola do pai e, depois, vendo o primo Calé Alencar tocando e cantando. Participou da Massafeira com 14 anos como artista plástico e pouco depois já estava cantando na noite nos mesmos bares e época que Davi. Já como compositor, tira o primeiro lugar no festival de Camocim em 1986, com a música Os Meninos. Festivais também projetaram a carreira dele nos anos 1990 como o famoso Canta Nordeste nas edições de 1993 (com a música Saberei), 1994 (Canto sem eira nem beira) e na final em 1996 com o hit radiofônico Miragem, que virou sucesso nos bares da época. Lançou três discos: Aprendiz (de 1993, lançado em vinil), Bússola (em 1997, que vendeu 13 mil cópias em CD e virou um show de sucesso na época com apresentações no Theatro José de Alencar, Cais Bar, The Wall Bar, Kukukaia…) e Em Cima do Tempo (2005). Flávio Venturini lançou a faixa título deste último como single em 2017 e a incluiu no repertório de seus recentes shows. Edmar participa como intérprete convidado em mais de 50 discos. No momento, ele compõe pra um novo disco e participa do projeto Futuro e Memória, organizado por Dalwton Moura.

Kátia Freitas já queria ser cantora desde muito pequena, quando cantava junto com o sucesso de Clara Nunes Ê Baiana. Aos 12, acompanhava a cena de festivais com o irmão mais velho, mas só aos 16, na faculdade de Psicologia da UFC, tem contato com o compositor Alcio Barroso e estreia em show no pátio das Ciências Sociais – na banda destaque para o baixista Ney Vasconcelos, atualmente da Osesp. Em seguida Kátia vai cantar na noite no Blue Bar e em outros bares da Cidade, até dar uma canja no Circo Voador (que esteve em Fortaleza) com o guitarrista Zé Eugenio (radicado na Alemanha ), ser descoberta pelo baixista Luís Miguel e convidada a gravar duas músicas no disco Fotografia, de Ricardo Augusto em 1988. Em seguida teve sua fase de Backing vocal em shows de Dilson Pinheiro e numa turnê com a cantora Amelinha.

Kátia Freitas começou a se aprimorar no violão que ganhou de um vaquinha dos amigos, e daí surgiram as primeiras pérolas (Um qualquer, Notícias Boas). A convite do compositor Eugênio Leandro, passou uma temporada de cinco meses na Alemanha. De volta, compôs no piano o hit Anjos, que é uma metáfora sobre não termos aqui o Cristo Redentor de braços abertos do Rio de Janeiro, e é também inspirada nos anjos do filme de Win Wenders Asas do Desejo (No meu lugar não há Cristos iluminados/ Expostos no alto pra fotos de álbum/ Há no lugar anjos de pedra bem dentro de nossas cavernas).

Em 1993, ela começou as gravações do bem cuidado disco de estréia que trazia uma compositora já madura ao lado de releituras de Freddie Mercury, Lobão, Cazuza, Renato Russo além dos amigos Davi Duarte (Babe Baby) e o hit do disco Coca-colas e Iguarias, de Valdo Aderaldo. O CD rendeu shows super produzidos com destaque para o do Theatro José de Alencar e o da barraca Biruta que tiveram a lotação esgotada. Do saíram disco dois clipes (Um Qualquer e Coca-colas e Iguarias), ambos com direção de Joe Pimentel.

https://www.youtube.com/watch?v=8h6cXCxPLgI

Em 2002, Kátia lançou na Feira da Música o segundo CD, Próximo, disco onde ela mostra um lado mais poético e ótimos arranjos de Cristiano Pinho. Destaque para as canções Disco, Em algum lugar (dedicada a Herbert Viana), Mil dias e Almanaque. A faixa título virou um clipe com Joe novamente na direção.

Em 2004, Kátia foi morar em São Paulo, viajou por cidades brasileiras com o Projeto Pixinguinha, fez uma turnê na Alemanha em duo com o guitarrista Cristiano Pinho. Ainda em SP, trabalhou alguns anos como produtora da orquestra Jazz Sinfônica, que ela considera como uma experiência enriquecedora. Na volta a Fortaleza, em 2018 realizou no Cineteatro São Luís o show Cantar Sozinha, em formato mais intimista no qual mostrou novas canções que devem entrar no próximo disco, ainda sem data prevista de lançamento.

Paulo Façanha começou a cantar aos 10 anos de idade, acompanhado do irmão Marco, exímio violonista. Com a viagem do irmão, aos 15 começou a aprender sozinho a tocar violão. Tocou na noite acompanhando o cantor Marcus Caffé. Em 1986, já cantando e tocando, faz sua estreia no famoso bar da época, Choppileque, tocando a semana quase inteira e dividindo os horários com Luizinho Magalhães, Maria Zenaide, entre outros cantores da casa.

Sempre apaixonado por MPB de qualidade, com influências de Djavan, João Bosco, Ivan Lins, Fagner, logo Façanha se tornou um sucesso na Cidade, sendo contratado para as novas casas que abriam, e assim criando uma legião de seguidores. Integrou o grupo Perímetro Urbano, que era muito requisitado para bares e eventos fechados da época.

Lançou em 1996 o primeiro CD, Parto, com o hit Falso Blasé, de Flávio Venturini, que tocou bastante nas rádios. Além de  Ávido, parceira com Beto Paiva, e Vôo Livre, de Manassés. O lançamento do CD foi na abertura de um show de Flávio Venturini, na barraca Subindo ao Céu. Em seguida, Vida é pra gastar, que trouxe além da faixa título a música Quando a noite chegar, parceria com Beto Paiva e que foi sucesso na voz de Jorge Vercilo.

Em  2017, saiu o disco Felicidade Rara. Nesse ano, Paulo Façanha também fez um grande show no Iate clube  com vários convidados, comemorando seus 30 anos de carreira. Paulinho já participou como convidado em mais de 50 gravações, entre elas a música Fácil de Entender, com Fagner e Jorge Vercilo no disco Fortaleza (de Fagner).

Atualmente, Paulo reside em Brasília e está gravando um novo trabalho com produção de Max Viana (filho de Djavan). Ele participou recentemente da live do projeto Carta da Terra 20 anos, junto com Caetano Veloso, Gilberto Gil e Arnaldo Antunes.

Questionados sobre a cena musical atual, em tempos de streaming e do sucesso fácil da música de entretenimento que hoje domina a mídia, eles foram unânimes em dizer que ainda acreditam que a busca da qualidade no que fazem os mantém ainda motivados. Paulo é atualmente o mais ativo na cena por se apresentar em bares e eventos. Davi tem novas músicas compostas bem diferentes do que a gente associa a ele, estuda durante a pandemia prelúdios de Bach no violão e quer fugir do que ele chama de “simplicismo”. Edmar se diz um artista que evita a todo custo o consumismo piegas atual investindo na singeleza de suas melodias e harmonias.

Kátia vê o mercado muito volátil, acredita ainda na cadeia profissional produtiva para ter um bom produto final artístico. Ela discorda do modelo de que tudo tenha que ser gratuito e diz que a música é a mesma, mas a música boa…

Como um adendo, eu quero acrescentar que tenho uma enorme admiração por todos eles, por suas obras, e da felicidade de partilhar essa convivência nos palcos, estúdios, bares, ensaios, festas através dos anos.

Mimi Rocha é músico e produtor. Ele escreve nesse espaço quinzenalmente

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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