Os problemas na Saúde deixaram de ser exclusivos da rede pública. Os brasileiros que têm condições de arcar com planos de saúde também têm enfrentado transtornos nos últimos tempos – sobretudo pela guerra instaurada entre os médicos e as operadoras, que já resultou, inclusive, em uma paralisação do atendimento aos pacientes de planos em São Paulo. Nos últimos 11 anos, os planos de saúde lideram o ranking de reclamações do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec). Cansados de protestar, profissionais e instituições gabaritadas recusam-se, em número crescente, a compor as redes das operadoras. Os valores dos planos, que não são baratos, continuarão a subir; enquanto a qualidade, que já deixa a desejar, pode piorar. O problema está se tornando cada vez mais grave, mas não é um fenômeno atual. Reportagem de VEJA de 1988 já trazia indícios de que os brasileiros ainda viriam a reclamar de seus planos durante muitos anos.

Em VEJA de 7/12/1988: Crédito na enfermaria
Anunciados de forma colorida e agitada em campanhas de publicidade, os planos de saúde que prometem a seus associados uma assistência médica de bom nível a preços módicos estão sob os focos das patrulhas de consumidores. Nada mais natural quando se trata a saúde como uma mercadoria oferecida a preços de ocasião de casa em casa. As queixas surgem de todos os lados. Ora são os custos, quando os carnês são reajustados acima dos índices de inflação, ora é o não pagamento de doenças que se acreditava estarem cobertas pelos planos, ou as reclamações contra a má qualidade dos serviços e a demora no atendimento. Espremida entre as exigências e as surpresas das empresas que vendem esses planos, os custos astronômicos da medicina particular e o que acredita ser a falência da saúde pública, à classe média brasileira vem sobrando o direito de reclamar. O número de queixas só tende a crescer na medida em que as famílias aderem em levas crescentes à medicina a crédito. O tipo mais popular dessa assistência se chama medicina de grupo e engloba empresas como Golden Cross, líder do mercado, Amil, Interclínicas, Amico e Medial. São quase 14 milhões de brasileiros associados a uma das 300 empresas de medicina de grupo do país. Essas empresas tratam da saúde de 15% dos segurados do Inamps, ou 25% de toda a força de trabalho do país, num movimento que, só no ano passado, foi responsável por 52 milhões de consultas médicas – o que equivale a dar consulta médica a um em cada dois brasileiros pelo menos uma vez ao ano.

 

O que aconteceu depois
Mais de vinte anos depois, o mercado de planos de saúde segue alvo de reclamações, embora tenha passado por alterações. A mais recente delas foi publicada no Diário Oficial da União em 20 de junho: os planos passaram a ser obrigados a cumprir prazos para o agendamento de consultas. A resolução da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) – responsável por fiscalizar as operadoras de saúde do país -limita a sete dias o prazo para a realização de consultas básicas, como pediatria, clínica médica, cirurgia geral, ginecologia e obstetrícia. Já o agendamento para consultas com fonoaudiólogos, nutricionistas, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fisiotepêutas e atendimento em regime de hospital-dia devem ser feitos em até 10 dias. Para as demais especialidades, o prazo é de 14 dias. Consultas com cirurgião dentista também devem ser marcadas em até sete dias.

Em janeiro de 2009 entraram em vigor novas regras a respeito da portabilidade de carências. A resolução estabelece que contratantes de planos individuais e familiares assinados ou adaptados a partir de 1999 mudem de operadora sem ter de enfrentar um novo período de carência. Mecanismo criado pelo setor de seguros e incorporado pelo mercado de medicina suplementar, a carência consiste em prazos para que o consumidor faça uso de certos serviços contratados. Ainda que seja um avanço na questão, para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a proposta da ANS é limitada, pois não contempla os usuários de planos antigos nem os de planos coletivos, que, juntos, representam 87% do mercado. E porque restringe o acesso à portabilidade ao mês de aniversário do contrato e a consumidores que ficarem numa mesma operadora por pelo menos dois anos.

A portabilidade também só será possível entre planos de uma mesma faixa de preço – ou se o consumidor estiver migrando para um serviço mais barato – e entre planos sejam equivalentes. A classificação ainda será feita pela ANS. Com isso, o objetivo da agência, que seria o de estimular a concorrência, propiciando ganhos para o consumidor, ficaria enfraquecido. A questão da carência vinha sendo discutida desde 1998, ano que foi um marco das mudanças no setor de saúde suplementar. Foi em 1998 que se editou a Lei 9.656/98, ponto final de uma década de negociações no Congresso Nacional, iniciadas com a Constituição de 1988. A lei determina de que modo o estado deve regular a participação da iniciativa privada no sistema de saúde, que até então corria praticamente solta, como afirma a reportagem de VEJA. Em janeiro de 2000, uma nova lei, de número 9.961, criou a ANS, encarregada de regular o setor. Ainda assim, as mudanças não aplacaram a fúria do consumidor. Parte das reclamações diz respeito aos reajustes praticados sobre esses planos.

De acordo com o Idec, o reajuste de mensalidades é permitido, mas deve seguir certas regras. A primeira é que o critério usado para o reajuste esteja previsto de maneira clara no contrato – e não em letras minúsculas, como as denunciadas pela reportagem de 1988. Outra regra diz respeito à periodicidade dos reajustes: devem ser feitos a cada 12 meses, pelo menos (na data de aniversário do contrato). Apesar dessa norma, muitos planos sofrem “reajustes técnicos” fora do prazo. Os reajustes dos contratos individuais e familiares novos – aqueles firmados depois da Lei 9.656/98 – precisam ser aprovados pela ANS. A consumidores com contratos antigos, anteriores à lei de 1998, o Idec recomenda usar o teto estabelecido pela agência como parâmetro para saber se o aumento imposto é ou não abusivo. Os índices oficiais de inflação relativos aos 12 meses que antecedem o reajuste também devem ser usados para verificar abusos. Em teoria, o reajuste anual serve para repor perdas com a inflação, mas é comum haver aumentos acima do IPCA, o índice oficial da inflação ao consumidor. Também é comum, por isso, haver descontentamento.

Outra alteração recente do setor aconteceu em 2010, com a entrada em vigor do novo rol do mínimo que as empresas devem ofertar para contratos assinados a partir de 1999 – 43,7 milhões de brasileiros passaram a ter acesso a novos procedimentos médicos incluídos na cobertura obrigatória dos planos de saúde, entre eles o PET-scan, exame de imagem para detecção precoce de tumores. A lista não impede o usuário de reivindicar tratamentos necessários e não incluídos. As novas coberturas, porém, trazem limitações. No caso do PET-scan, por exemplo, o exame só poderá ser usado para suspeita de linfoma e câncer pulmonar. A inclusão dos 73 novos procedimentos obrigatórios não encerra ainda o debate entre operadoras e consumidores sobre os valores e a extensão da cobertura dos planos. Há, porém, outras queixas ligadas ao setor. Elas dizem respeito às falhas na regulação, à redução na oferta de planos individuais, à sobrevivência dos planos antigos e às interferências dos planos de saúde no trabalho dos médicos. Para mais orientações sobre planos, o consumidor deve procurar o Idec ou a ANS.

Fonte: Veja

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Jorge Brandão

Fisioterapeuta, Osteopata, RPGista. Diretor da clinica Fisio Vida.

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