Música e protestos marcaram a década que abriu os anos de chumbo no Brasil. Além dos grandes nomes que se tornaram referência no fazer artístico no País, houve também uma verdadeira efervescência cultural no Nordeste, e, principalmente, no Ceará. É o que mostra o livro Canto do Ceará – Os festivais de música do Ceará na década de 1960. No estudo, a jornalista Priscila Lima traz histórias dos festivais locais da época.

“Busquei traçar um panorama das edições do Festival de Música Popular Cearense, com base nos jornais que circularam no período”, diz em entrevista ao Repórter Entre Linhas. “Além disso, traz ainda uma contextualização nacional focada em alguns dos mais importantes festivais nacionais”. O livro será lançado nesta quinta-feira, 11, na Livraria Saraiva do Shopping Iguatemi Fortaleza, às 19h30min.

Leia entrevista completa:

Repórter: Por que pesquisar, especificamente, os festivais de música do Ceará na década de 1960?

Priscila Lima: Acredito que o grande incentivo foi já no processo inicial, à época da monografia, ter identificado tão poucas referências bibliográficas para o tema. A cultura cearense ainda tem muito que ser contada. Teve um livro que deu o impulso inicial pra focar o tema da monografia nos festivais do Ceará, No tom da canção cearense, publicado em 2008, de um pesquisador da história chamado Wagner Castro. Ainda que haja essa pesquisa que fala um pouco desses festivais e outras como da Mary Pimentel (Terral dos Sonhos) e Pedro Rogério (Pessoal do Ceará: Habitus e campo musical na década de 1970), que mencionam alguns desses festivais, o desconhecimento da existência deles ainda é amplo.

Perceber que pouco se sabe sobre eles, foi o que foi consolidando minha vontade de contar essa história. Sempre gostei muito de pesquisar sobre a história da música brasileira. O momento dos anos 60, com os festivais nacionais e a ascensão de alguns nomes tão importantes da música popular brasileira – Edu Lobo, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Elis Regina, Geraldo Vandré, entre outros tantos nomes vinculados também a este período – sempre me interessaram e encantaram. Então, identificar, também no Ceará, a realização de festivais na década de 60, foi fundamental para estabelecer esse vinculo com um tema que sempre me interessou.

Repórter: Foi uma época de resistência?

Priscila Lima: O período foi sim de resistência. A pesquisa, inclusive, fala um pouco da articulação do CPC (Centro Popular de Cultura) no Ceará e de grupos locais como o Cactus e o GRUTA. A pesquisa nos jornais da época, identificaram inclusive, momentos em que espetáculos do grupo GRUTA foram impedidos de ser apresentados.

Imagem: Bárbara Cariry

Repórter: Você cita referências nacionais que foram icônicas para o período. Como foi esse processo de pesquisar o material que não era especificamente cearense?

Priscila Lima: No caso da parte nacional, felizmente já temos bastante bibliografia sobre o tema. Nesse caso, grande parte da pesquisa foi baseada em pesquisa bibliográfica – em publicações como A Era dos Festivais, de Zuza Homem de Mello; Em Busca do Povo Brasileiro, de Marcelo Ridenti; Seguindo a Canção…, de Marcos Napolitano; entre outros diversos livros que abordaram a música e cultura brasileira dos anos 60. Além da pesquisa bibliográfica, foram também consultados jornais que circularam no período, alguns deles reproduzidos no livro. A pesquisa nesses jornais foi realizada através da Biblioteca Nacional, e acervos do O Globo e Jornal do Brasil, por exemplo.

Repórter: Quanto tempo levou o processo de pesquisa?

Priscila Lima: Minha aproximação mais direta com o tema pesquisa deu-se durante meu trabalho de conclusão do curso de Jornalismo, em 2010. Naquele momento a pesquisa abordava uma ampla contextualização nacional, tendo, no entanto, como foco realizar uma análise da cobertura do jornal O POVO sobre o IV Festival de Música Popular Cearense (1968). Já no caso do livro houve uma ampliação quanto aos festivais locais. Busquei traçar um panorama das edições do Festival de Música Popular Cearense na década de 60 (1965, 1966, 1967 e 1968), com base nos jornais que circularam no período, sem o foco inicial dado ao de 1968 e à cobertura do jornal O POVO. Além disso, traz ainda uma contextualização nacional focada em alguns dos mais importantes festivais nacionais.

Houve então esse primeiro momento da pesquisa à época do trabalho de conclusão de curso – que durou cerca de um ano; e, mais recentemente, o processo de pesquisa e produção do livro, mais um ano.

Repórter: Quem você entrevistou para falar dessa cena local? 

Priscila Lima: A principal matéria-prima da pesquisa foram os periódicos que circularam no período em que os festivais foram realizados. No entanto, as entrevistas que realizei com o Jorge Melo foram fundamentais na composição do trabalho, o livro inclusive conta com material do acervo dele que colaboram para ilustrar a segunda parte do livro que se atém à cena local. Conversei também com Rodger Rogério e Ricardo Bezerra que participaram de alguns festivais realizados no período. No entanto, o foco do livro está nas edições do Festival de Música Popular Cearense (1965 a 1968), nos quais não houve participação deles. Durante a pesquisa foram também consultadas diversas entrevistas e depoimentos, como Belchior Fagner já realizadas – por exemplo, entrevista com Raimundo Fagner realizada pelo Museu da Imagem e do Som de São Paulo, programa Arte. Doc, sobre o artista plástico Marcus Francisco, autor da letra de Nada Sou e Luzia do Algodão, em parceria com Fagner; entre outros.

Repórter: Além de trazer páginas do Jornal O POVO, o livro traz material de jornais que não circulam mais no Ceará, como a Tribuna do Ceará e o Correio do Ceará. Como foi o processo de pesquisa desse material de diários extintos?

Priscila Lima: Além do jornal O POVO, a pesquisa nos jornais Gazeta de Notícias, O Nordeste, Unitário, Correio do Ceará e Tribuna do Ceará foi realizada na Biblioteca Pública Menezes Pimentel. Abrangendo um período de dois meses para cada periódico, a pesquisa possibilitou a identificação e acompanhamento de várias etapas que abrangiam esses certames (inscrições, classificação de músicas, participantes, etc).

Repórter: Passados 50 anos do período em questão, qual é a importância dessa obra?

Priscila Lima: Acredito que para a valorização da nossa cultura é fundamental conhecermos a história local. Temos poucos registros desses festivais abordados (Festival de Música Popular Cearense – 1965 a 1968), então, com o livro, busquei contribuir para o registro e conhecimento acerca desses festivais.

About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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