Com duras críticas ao Governo Temer, cearense Cláudia Leitão diz que o sentimento em relação ao Estado é de impotência, mas acredita no aprendizado e na competência da sociedade para lutar pelas conquistas adquiridas pelo povo brasileiro

A ex-secretária da Cultura do Estado do Ceará, Cláudia Leitão, é a premiada deste ano pelo Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado do Ceará (Sated-CE) na categoria Gestão Cultural. Em entrevista ao Repórter Entre Linhas, a também ex-secretária de Economia Criativa do Ministério da Cultura (Minc) fala sobre o aprendizado que rendeu a gestão cultural e o momento político do País.

“Fico muito honrada, muito feliz com essa lembrança carinhosa”, diz sobre o Prêmio Sated Ceará 2016. “Nem sei se mereço, não”, brinca. “A gestão cultural me deu muito. Não sei se dei a ela o tanto que ela me deu”. Cláudia foi secretária da Cultura do Ceará de 2003 a 2006. Aberto ao público, o Prêmio Sated Ceará acontece na Casa de Juvenal Galeno, próximo ao Theatro José de Alencar, no Centro de Fortaleza, no próximo sábado, 17.

Cláudia Leitão disse não ao presidente Michel Temer, na época interino, sobre o convite para assumir o Ministério da Cultura (Foto: Iana Soares/O POVO)

A homenagem vem no mesmo ano em que a Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult-CE) completa 50 anos. Para ela, “em tempos em que a área cultural tem sido tão desqualificada” no plano federal, felicitar os 50 anos da Secult é dar importância ao fato de ela ser a primeira secretaria do Brasil. “É um fato e feito cearense. E o Ceará tem muito pioneirismo em muitas áreas”, destaca.

“Me tornei militante das causas da cultura. Por mais que eu estude, pesquise, milite, trabalhe na área de políticas públicas, isso sempre será pouco diante do que vivi em aspectos humanos”, diz em entrevista por telefone. “A coisa mais importante na área da cultura é essa sensação de que trabalhamos para o humano, o que eu sei que tem sido muito difícil nessa lógica burocrática do Estado. As pessoas se esquecem que são pessoas e a cultura lembra isso o tempo todo”.

Em maio deste ano, Cláudia Leitão recusou convite para integrar a equipe de Michel Temer na Cultura, que seria subordinada ao Ministério da Educação (MEC). Hoje, ela classifica a gestão como um retrocesso. “É um governo ilegítimo. Temo muito pelos impactos que isso pode causar em um País com a desigualdade social que o Brasil tem”, avalia. Para ela, seguir o caminho das políticas neoliberais, que consideram a privatização e corte em áreas essenciais como Educação, Ciência e Tecnologia e a própria Cultura,  como a saída para o Brasil é lamentável.

“A Cultura foi recriada e não diz a que veio. Estamos iniciando tempos muito obscuros. Como professora universitária – sou uma gestora eventual, mas sou mesmo uma professora – me preocupa muito os rumos da universidade brasileira”, continua. A antropóloga conta que o momento pode ser de perdas de importantes conquistas. Para ela, é preciso rever modelos de desenvolvimento e apostar em um tipo de economia para além dos negócios. “Michel Temer é um homem do século XVIII. Tem um velho imaginário que move o País, mas o Brasil é muito aberto para o novo. Ele não tem qualquer capacidade de compreender isso”.

Para a cearense, a “frágil democracia” é um sinal de que é preciso continuar com o trabalho como sociedade civil em processo constante de autocrítica. “A única coisa que nos inspire talvez seja pensarmos nas nossas próprias utopias, no papel da sociedade no dia a dia. Lutar pelos projetos próximos de nós mesmos, talvez assim a gente consiga resultados positivos”, declara. “No âmbito do Estado há um sentimento de impotência. O Governo Temer deve nos estimular a, de certa forma, nos dedicarmos a um pensamento cada vez mais crítico, a não sermos passivos. A sociedade precisa aprender com tudo isso”.

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Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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