Em tempos de violências simbólicas e reais, e outras inúmeras com siglas infinitas, sobretudo em relação às mulheres, cada iniciativa pode se tornar um ato de rompimento com essa loucura da vida real. Escrever é necessário.

Na última semana, povoou os noticiários o caso do auxiliar de serviços gerais com 17 passagens pela polícia por violência contra mulheres em São Paulo. O episódio tem gerado manifestações as mais diversas nas redes sociais.

Questionam a posição do juiz, que liberou o acusado da ocorrência anterior por acreditar que “não houve constrangimento, tampouco violência ou grave ameaça”. Solto, o homem cometeu nova agressão. Segue preso, assim como presas estão as dores das das mulheres. Comentários masculinos nas postagens das notícias sobre o caso acaloram as discussões. Mulheres protestam sobre a falta de respeito e segurança. Ninguém se entende e a penúltima vítima se pergunta: “mas meu corto é o que?”.

Tem faltado empatia entre nós, seres. Tem faltado muita coisa.

Quantas violências são necessárias para legitimar a dor de quem sofre? Seja daquele que passou por agressão, seja daquele que se dói por dentro, mesmo “sem” os motivos aparentes por fora. Quantas mortes precisam ocorrer para entendermos a selvageria para a qual estamos caminhando? Quantos mais de nós, nossos conhecidos, nossos desconhecidos, precisam ser violados para nos indignarmos? Quanto mais corrupção precisa existir para usurpar o resto de esperança que escapa? Morremos um pouco a cada dia pela violência que nos chega, porque ela sempre nos alcança.

Dá vontade, às vezes, de resetar o mundo, o jogo, nós bonecos. Por que é cansativo valer-se da dose diária de fôlego para chegar ao fim do dia em pé. É exaustivo usar as inúmeras vidas acumuladas para resistir, como nas lutas dos joguetes virtuais onde se ganha pontos por eliminar os outros.

É fatigante explicar que em nosso corpo não há direito de terceiros – SIMPLESMENTE NÃO HÁ – que o outro não pode tirar a vida de alguém – NÃO, NÃO PODE – que a dor pede escuta – ME OUVE – que a miséria exaspera e não é uma condição humana – NUNCA SERÁ.

Nessa matriz congestionada de violência, parecemos seres de ficção, acoplados a tubos de oxigênio invocados a cada falta de ar, nas cenas absurdas de involução humana. Parece que o pouco que fazemos não é mais o suficiente e que são precisos os tais super heróis para resolverem esse efeito dominó em que nos metemos.

Parece que é sonho. Mais da metade pesadelo, daqueles que a gente grita e a voz não sai, que a gente corre e não se move do lugar, quando de repente somos pegos desprevenidos, nus, e todos riem de nós.

Vergonha alheia, vergonha minha, vergonha de quem tem vergonha na cara em olhar para esse mundo de ponta cabeça. Injúria! Perjúrio? Queria eu. Parece mesmo pesadelo.

Queria um texto de alegria, de esperança. Por agora sai um texto triste, de respiro à procura de sobreviver a nós, mundo.

A cada amanhecer, levanto me dizendo que dias melhores virão. Parece sonho, metade ainda pesadelo, metade espera.

 

About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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