Muitos são os caminhos para onde Novas Famílias, álbum de Marina Lima lançado em 2018, apontam. A renovação de uma artista de 62 anos e 21 discos lançados não vem sem preço, e isso a carioca entende bem.

O trabalho é, antes de tudo, disruptivo ao apresentar um funk de protesto, debochado, como cartão de visita deste momento.

E quando Marina aposta no funk “Só os Coxinhas”, não deságua no senso comum de uma expressão cultural tão popular. Mas sim numa série de rupturas necessárias para se fazer ouvir no caos, fora da ordem de tudo que ela apresentou antes.

É no gênero marginalizado e bombardeado pelo conservadorismo que ela e o irmão Antônio Cícero, imortal da Academia Brasileira de Letras, encontram espaço para provocação. Marca também o retorno de uma parceria há 18 anos interrompida.

Quinta-faixa do disco, Só os coxinhas é precedida por canções que estabelecem uma Marina sempre atual.

A faixa-título, com piano de Marcelo Jeneci e a intensa voz rouca de Marina, enterra qualquer possibilidade de olhar para o passado em versos como: “Céus, e essas novas famílias / com terras molhadas com amor / minando qualquer ditador”.

Em “Juntas”, enterra o bairrismo e defende a coletividade e a necessidade criativa de misturar gerações.

A dobradinha “Árvores Alheias” e “Mãe Gentil” é o petardo dessa renovação estética. É o ponto que expõe a maior influência de Dustan Gallas (da cearense Cidadão Instigado) e Arthur Kunz (do duo paraense Strobo) na produção conjunta com Marina.

Lançado há quase um ano, em 23 de fevereiro de 2018, o disco traz ainda faixas que expõem a veia mais brasileira, seja no samba cadenciado de “Climática”, ou na sonoridade genuinamente paraense de “É sexy, é gostoso”, composta por Marina com Dustan e Arthur Kunz.

Não que Marina olhe para frente ao tocar sonoridades antes por ela não desbravadas, mas soa moderno o resultado de Novas Famílias. Seja no som ou no discurso. Atual, ousada e de língua afiada, Marina sabe que não é tempo de retroceder.

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Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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