Pantera Negra já existe há mais de 50 anos nos quadrinhos, mas foi só com o filme da Marvel Studios lançado em 2018 que o herói entrou para o time de ícones da cultura pop e se tornou referência global em representatividade.

Criado pelos mestres Stan Lee e Jack Kirby, ele foi o primeiro super-herói africano concebido e com produtos comercializados por uma grande editora. Nomes como Luke Cage, Blade, Falcão e John Stewart, um dos Lanternas Verdes da DC Comics, só vieram nos anos que seguiram.

Chadwick Boseman é T’Challa, o Pantera Negra (Foto: Matt Kennedy / ©Marvel Studios 2018)

O longa dirigido por Ryan Coogler arrecadou US$ 1,344 bilhão e entrou para a lista de filmes mais lucrativos da história. É também o vencedor do Oscar 2019 nas categorias de Trilha Sonora Original, Figurino e Direção de Arte – além de ter sido indicado em outros três prêmios.

Para além das conquistas históricas, a grande relevância no Brasil reflete nas artes. Não demorou para que artistas brasileiros começassem a lançar canções inspiradas na mitologia do Rei de Wakanda. O Blog fez uma lista de seis músicas. Cinco delas interpretadas por cantores negros.

“Bluesman”, Baco Exu do Blues

É sintomático que a explosão de questões, sentimentos e críticas sociais exploradas pelo baiano Baco Exu do Blues resulte na jornada de empoderamento do homem negro moderno.

Em “Bluesman”, a faixa que abre e dá nome ao segundo disco do artista, reconhece e dá firmes respostas à imagem racista, e portanto cruel, construída ao longo dos séculos. Há, antes de tudo, um enfático entendimento do posicionamento criminalizador da sociedade perante esse recorte social brasileiro.

Não a toa o curta-metragem do disco mostra as cores, os sorrisos e a luta de quem nasceu para resistir e se provar duplamente melhor. Como uma Wakanda latinoamericana no meio da metrópole.

“Eles querem um preto com arma pra cima
Num clipe na favela gritando cocaína
Querem que nossa pele seja a pele do crime
Que, Pantera Negra só seja um filme
Eu sou a porra do Mississipi em chama
Eles têm medo pra caralho de um próximo Obama
Racista filadaputa aqui ninguém te ama
Jerusalém que se foda eu tô a procura de Wakanda”

“Raízes”, Negra Li feat. Rael

Negra Li resgata as raízes do rap, da negritude da própria história ao cantar o orgulho negro em seu novo álbum. A paulistana segue a tendência tão explorada pelos rappers, principalmente nos dias atuais, de contrastar a cultura de apagamento negro ao longo dos anos.

Trechos como “Você ri da minha pele / Você ri do meu cabelo / Sarava sou sarará, e assim quero sê-lo” sequenciado pela autoafirmação e a defesa de que ninguém mais se calará estabelece um momento de acerto de contas com a história.

Em uma letra que clama por redenção, as referências vão do velocista olímpico Usain Bolt à Wakanda como lugar de origem.

“Temos a cor da noite
Filhos do açoite
Tipo Usain Bolt
Ninguém pode alcançar
E nada nos cala
Já foi a Senzala
Já tentaram bala
Ninguém vai nos parar
Filhos de Luanda
Vindos de Wakanda
Hoje os pretos manda
Cê vai ter que escutar
Por mais heroína
Com mais melanina
Tipo Jovelina
Pretas são pérolas”

“Pantera Negra”, Emicida

Diferentemente dos outros artistas quem compõem a lista, Emicida gravou a música-tema do filme “Pantera Negra” no Brasil. Ele assina a letra enquanto a melodia é de Felipe Vassão. O roteiro do clipe também é do próprio artista, junto com o diretor do vídeo, Fred Ouro Preto.

Emicida é fã de quadrinhos desde a infância. Quando criança desenhava, mas nem sempre tinha dinheiro para comprar as edições da Marvel Comics. Não por acaso o músico já quis ser quadrinista.

A música cita o herói T’Challa, as Dora Milaje e até o mineral fictício vibranium, além de outros super-heróis negros como Super Choque e Lanterna Verde. Personalidades como Usain Bolt, Nicki Minaj e Spike Lee também entram na lista.

“Minha pele, Luanda
Antessala, Aruanda
Tipo T’Challa, Wakanda
Veneno black mamba
(…)
Com a garra, razão e frieza, mano
Se a barra é pesada, a certeza é voltar
Tipo Pantera Negra (eu voltei)
Tipo Pantera Negra”

“Pantera Negra Deusa”, Daniela Mercury

O Brasil é preto!

É essa a reivindicação de Daniela Mercury no samba-reagge diretamente inspirado no filme. Composta pela pioneira do axé com o filho Gabriel Póvoas, a música atribui à África as origens de um país tão miscigenado como o nosso.

O elenco do clipe usa maquiagem similar à de Shuri (vivida por Letitia Wright no cinema), irmã de T’Challa que chega a assumir o manto de Pantera Negra nos quadrinhos.

“Somos todos filhos da preta
Da preta ancestralidade africana
Filhos da tua nobreza
Filhos da mama Wakanda
Todas as cores de pele
São da África
Todas as matrizes e tribos
São da África
(…)
Ê Pantera Negra é ela
Ilê, Ilê, Ilê
Filho de Mandela, Pantera Negra
Deusa do Ébano
A Pantera Negra, a deusa
A mãe original do mundo”

“Bença”, Djonga

Em “Bença”, sétima faixa do álbum Ladrão, lançado no último dia 13 de março, Djonga fala da importância de uma estrutura familiar e narra, também, a luta da própria avó para “criar três mulheres sozinha, na época que mulher não valia nada”.

A referência à Marvel Comics vem ao falar da admiração pelo pai. O rapper mineiro explica que outras crianças não tiveram a mesma sorte de ter um pai presente, no País onde muitos dos homens fogem da responsabilidade de ser pai.

“Não tive Max Steel meu herói era ele,
Meu jogador de futebol preferido era ele,
E tudo que hoje faço pro meu filho, é pra que Jorge olhe pra mim
como eu olho pra ele, Meu herói ainda é ele.

Trampando desde os 7 man, Às sete e meia,
tanto corre que faz sua rotina parecer piada.
Rei De Wakanda, eu, príncipe pantera negra,
Construímos um império sem precisar de grana ou arma!”

“Flor de Aruanda”, Rael

Divulgação

“Flor de Aruanda” é o primeiro single do novo álbum do cantor e compositor Rael. Falando de amor, o artista passeia por referências que vão da escritora nigeriana Chimamanda, da cantora cabo-verdiana Mayra Andrade e a “Morena Tropicana” de Alceu Valença. Além de Wakanda.

Dirigido por Henrique Alqualo (que já trabalhou com Caetano Veloso, Gilberto Gil e Emicida), o clipe foi gravado em Luanda, capital da Angola. Principal porto econômico do país, Luanda foi uma das cidades africanas que mais teve escravos enviados para o Brasil.

“A ideia foi mostrar a África antes dos colonos chegarem. Por isso, a presença das referências tribais, das roupas, dos rostos pintados e da dança”, explica o paulistano.

“É tão pura, tem postura tipo Chimamanda
Tem doçura, jogo de cintura de malandra
Tem bravura de guerreira, tipo de Wakanda
Linda flor de Aruanda”

About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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