Daniel Galera, escritor (Foto: divulgação)

Um dos nomes mais fortes da nova geração de escritores brasileiros, Daniel Galera integra programação da XII Bienal Internacional do Livro do Ceará. Ao Leituras da Bel, em entrevista por email, ele falou sobre produção literária, internet e o encontro que terá com surfistas, nadadores e jangadeiros no mar do Pirambu. Veja a entrevista completa:

Leituras da Bel – Você começou a escrever para a internet ainda nos anos 1990. De lá para cá, o que mudou entre as pessoas que produzem literatura na internet?
Daniel Galera – Nos anos 1990, a internet como meio de publicação precisava ser inventada. Isso motivou muita gente a criar revistas eletrônicas, experimentar com narrativas colaborativas, explorar linguagens em hipermídia. Havia a suspeita de que uma nova linguagem literária surgiria na internet. Hoje temos outro cenário: a internet se aglutinou em torno das redes sociais e a criatividade foi canalizada pros memes, stories e timelines em que predominam imagens, enquanto a literatura segue essencialmente inalterada. Ainda se usam sites e blogs para publicar ficção, mas no geral o livro em papel e o ebook seguem sendo o suporte principal da literatura, e a internet é mais um canal de difusão e debate a respeito de livros. No início do milênio, parecia que os blogs acolheriam os novos contos e romances, mas eles serviram mais para o exercício de diários pessoais não literários, foram embriões desse registro obsessivo da vida pessoal que vemos na internet atual. Os livros, em contrapartida, oferecem hoje alguma resistência a essa tendência. São um dos poucos redutos da fruição narrativa focada, silenciosa, individual. A literatura hoje tem o papel de preservar nossa capacidade de introspecção e de servir como espaço livre para elaborar estéticas e assuntos que, por motivos diversos, não são facilmente acolhidos em outros meios.

Leituras da Bel – As redes sociais concentram ânimos cada vez mais polarizadas e acirrados. Como ser escritor, ser artista e afirmar opiniões nesse ambiente?
Daniel – Cada escritor lida com isso de uma forma, tem a ver com aptidões e temperamentos pessoais. Alguns extraem inspiração e energia dos debates online, com suas polarizações, escrachos, sarcasmo e reiteração de certezas, mas também uma oferta infinita e vertiginosa de informação e estímulos, inclusive de vozes que até pouco tempo costumavam estar abafadas ou caladas pelo status quo. Outros apenas se desgastam nessa arena tumultuosa, e encontram mais inspiração e sentido na busca solitária de sentidos e experiências de vida, com uma ruminação vagarosa e mais íntima das ideias, e acesso apenas ocasional aos debates online. Me inclino mais para este segundo grupo.

Leituras da Bel – ‘Barba ensopada de sangue’ foi um sucesso nacional. Essa repercussão pesou na carreira? Você se sentiu pressionado a produzir depois desse lançamento?
Daniel – Não me senti pressionado. A maior dificuldade foi me livrar das demandas de divulgação daquele livro, um processo que se estendeu por dois anos e incluiu as mais de 15 traduções no exterior, eventos literários, entrevistas. Foi recompensador, mas reduziu meu tempo livre para pensar em um novo livro e escrevê-lo. Quando iniciei o trabalho em “Meia-Noite e Vinte”, em 2014, não senti tanto o peso do livro anterior, estava preparado para fracassar se necessário, me dei a liberdade para chegar em algo novo, não relacionado ao trabalho anterior e sua repercussão.

Daniel Galera (Foto: Renato Parada / Divulgação)

Leituras da Bel – Uma das atividades da Bienal é um encontro na Praia de Iracema com surfistas, pescadores e jangadeiros dentro do mar. Já participou de alguma experiência do tipo? Pensou em como será esse momento de conversa?
Daniel – Já participei de alguns encontros do tipo, um deles em um festival literário na Praia da Pipa, no RN. Espero uma conversa interessante sobre literatura e a vida em comunidades costeiras, já que meu livro “Barba ensopada de sangue” explora justamente esse universo, porém no litoral sul, e não no nordeste. As semelhanças e diferenças entre as duas regiões podem render boas histórias compartilhadas. Povos indígenas, colonizadores, imigrantes, tradições, economia, clima, temperatura da água, há tantos elementos que podem gerar contrastes fascinantes.

Leituras da Bel – Aliás, qual a significação do mar nos teus escritos e nas tuas narrativas?
Daniel – Não creio que o mar simbolize nada específico nas minhas histórias. Mas ele é muito importante para o protagonista de “Barba ensopada de sangue”, que é um nadador e professor de educação física. Sua relação com o mar tem a ver com o isolamento, que ele aprecia e está sempre procurando de uma forma ou outra, e também com uma paixão sensorial pela água, pelas ondas, pelo oceano como um todo. Embora no personagem isso apareça de forma muito enfática, essa relação existe também na minha vida pessoal, de maneira bem menos radical. Sempre fui apaixonado por nadar no mar, desde pequeno.

Leituras da Bel – Você conhece Fortaleza? Está ansioso para esse encontro com a cidade?
Daniel – Estive várias vezes na cidade, desde a infância, um tio meu vive aí e ao longo dos anos eu o visitei algumas vezes, passei férias, fui a casamentos. Tenho boas lembranças, tanto da capital quanto das praias, mas também uma noção dos problemas sociais e urbanos que Fortaleza enfrenta. Gosto dos contrastes culturais e climáticos entre o sul e o nordeste. Espero enriquecer ainda mais essas impressões e conhecer melhor a cena literária local.

Serviço
XII Bienal Internacional do Livro do Ceará
Quando: até 23 de abril
Onde: Centro de Eventos do Ceará (avenida Washington Soares, 999 – Edson Queiroz)
Entrada gratuita
Veja a programação completa: bienaldolivro.cultura.ce.gov.br

About the Author

Isabel Costa

Inquieta, porém calma. Isabel Costa, a Bel, é essa pessoa que consegue deixar o ar ao redor pleno de uma segurança incomum, mesmo com tudo desmoronando, mesmo que dentro dela o quebra-cabeças e as planilhas nunca estejam se encaixando no que deveria estar. É repórter de cultura, formada em Letras pela UFC e possui especialização em Literatura e Semiótica pela Uece. Formadora de Língua Portuguesa da Secretaria da Educação, Cultura, Desporto e Juventude de Cascavel, Ceará.

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