Reprodução da coluna “Menu Político”, do caderno “People” do O POVO, edição de 20/4/2014.

A luxuosa ilustração de Carlus sempre acompanham meu texto na edição impresa

A luxuosa ilustração de Carlus sempre acompanha meu texto na edição impressa

Liberdade de imprensa e a moda de processar jornalistas
Plínio Bortolotti

Parece que vai pegar a moda de próceres da Justiça processarem jornalistas devido ao que eles publicam. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, está litigando contra um; agora é a vez do ministro Gilmar Mendes, que também já presidiu a mais alta Corte do país.

Mendes contesta menções feitas a ele no livro Operação banqueiro, no qual o jornalista Rubens Valente narra os bastidores da operação Satiagraha (2008). Conduzida pelo delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz (atualmente deputado federal pelo PCdoB-SP), a investigação levou à cadeia o banqueiro Daniel Dantas (Grupo Opportunity). O ministro considera que o livro distorce uma decisão dele, que julgou favoravelmente um habeas corpus pedido por Dantas. Para Mendes, o jornalista fez um “manifesto” com “intuito difamatório e atentatório” contra a sua dignidade. A petição, classifica o livro como uma “suposta reportagem investigativa”.

(A ação da Polícia Federal foi posteriormente foi anulada pelo STF, por ilegalidade nas investigações.)

A Geração Editorial, responsável por editar a obra, também foi acionada junto com o jornalista. O ministro pede R$ 200 mil em indenização por danos morais e a publicação, em futuras edições do livro, da sentença a ser proferida.

Em sua página do Facebook, Rubens Valente afirma ter procurado Gilmar Mendes “inúmeras vezes” e que o ministro nunca o recebeu, deixando de oferecer a versão dele para ser publicada. Valente afirma ainda que o livro traz uma “narrativa objetiva dos fatos”, não contendo nenhuma palavra que possa ser “considerada ofensiva” ao ministro.

O que preocupa em casos assim – e em outro que narrei no artigo cujo link está acima – é que isso configura um claro constrangimento aos jornalistas, criando um ambiente inseguro para os profissionais, que passam a conviver com o fantasma de indenizações milionárias, e até de pena de prisão.

Processo vs. processo
Mendes, porém, poderá estar às voltas com outro processo, no qual vai figurar como parte demandada. Eduardo Guimarães, editor do Blog da Cidadania, organizou mais de 200 pessoas que doaram dinheiro para pagar a multa dos condenados do “mensalão” para interpelar judicialmente o ministro. Mendes levantou suspeita de que as doações poderiam ser “lavagem de dinheiro”.

(As multas a que foram condenados José Genoino, José Dirceu e Delúbio Soares, somam R$ 2.105.531,74; juntos eles arrecadaram R$ 2.859.314,24 entre 8.260 doadores, que contribuíram, em média, como R$ 346,16 cada um.)

Pois é, quando Mendes deveria falar (para ter sua versão publicada no livro), decidiu ficar calado; quando deveria ficar calado, resolveu falar, assacando gratuitamente contra milhares de pessoas que fizeram doações a Genoino, Dirceu e Delúbio.

NOTAS

Sheherazade
Outra jornalista sob pressão legal é Rachel Sheherazade, âncora do programa SBT Brasil. A Procuradoria Geral da República aceitou representação da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) contra a jornalista, alegando que Sheherazade fez apologia ao crime, incitando à tortura e ao linchamento.

Apologia
De fato chega a causar mal-estar ver o comentário de Sheherazade. Ela defende um bando que agrediu e usou uma trava de bicicleta para prender a um poste, pelo pescoço, um adolescente negro, imagem que remete aos castigos do tempo da escravidão. Ela justifica o linchamento classificando de “compreensível” a atitude dos “vingadores”. Porém, como escreveu o jornalista Pedro Doria, “apologia ao crime” é um dos argumentos mais perigosos que se pode levantar contra a opinião de alguém: o aborto é crime e há os que o defendem publicamente.

Liberdade
Pois, liberdade de expressão é justamente o direito de dizer aquilo que os outros não querem ouvir. E tenho para mim que esse furor censório pode crescer, se não for contida essa onda que visa a calar jornalistas.

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