Reprodução da coluna “Menu Político”, caderno “People”, edição de 31/7/2016 do O POVO.

Fraude ou barbeiragem jornalística?

Uma das definições de que mais gosto sobre a profissão é que o jornalismo tem o objetivo de oferecer informações ao público, de modo que as pessoas possam orientar suas vidas, tomando livremente suas próprias decisões. Pode parecer um tanto “romântico”, mas, caso se duvide do compromisso do jornalismo com a verdade factual, ele de nada valerá.

Reconheço a dificuldade que boa parte da imprensa brasileira, atualmente, tem em cumprir a obrigação exposta no parágrafo anterior. Porém continuo rejeitando alistar-me entre os que simplificam os argumentos, classificando os meios de comunicação como “partido único”, como se os jornais fossem uma instância de favorecimento exclusivo das elites, sem outra função social.

É fato que deixar de notar o alinhamento quase generalizado – incluindo colunistas “de grife” – contra os governos petistas seria ingenuidade. Alguns veículos perderam completamente a vergonha, abdicando do jornalismo para fazer propaganda ou proselitismo político contra o PT (óbvio que o partido merece críticas ácidas, mas torná-lo alvo único revela má-fé).

Por isso, quem faz o favor de acompanhar esta coluna deve observar que são bastante comuns as críticas que faço à imprensa, pois só assim é possível torná-la melhor. Porém, criticar é diferente de condenar de modo completo e acabado, como se os jornais fossem um mal sem si.

Dito isso, o seguinte.

Um dos jornais importantes do País, que sempre ressalvo como preocupado em fazer bom jornalismo, é a Folha de S. Paulo. O jornal – apesar dos percalços – procura guiar-se pelas boas práticas do jornalismo, sem esquivar-se do escrutínio dos leitores, tanto é que foi pioneiro na nomeação de um ombudsman, prática que sobrevive em apenas outro jornal brasileiro: O POVO.

Entretanto, na edição de 16/7/2016, a Folha deu uma derrapada feia. Reproduzindo pesquisa do instituto Datafolha, o jornal divulgou, em sua primeira página, que 50% dos brasileiros queriam que Michel Temer continuasse na Presidência da República até 2018, enquanto 32% queriam a volta de Dilma Rousseff.

O problema é que o jornal omitiu outros dois dados extremamente importantes da pesquisa: a) 62% dos entrevistados afirmaram que queriam novas eleições; b) 49% consideram legal o processo de impeachment; mas 37% responderam que o procedimento desrespeitou a Constituição. Além disso, na pergunta direta sobre a preferência entre Dilma e Temer, não foi incluída a possibilidade de os pesquisados responderem se queriam uma nova eleição.

Os sites The Intercept, do jornalista Glenn Greenwald (conhecido mundialmente por ter divulgado o arquivo de Edward Snowden, revelando a vasta espionagem do governo americano) e Tijolaço, do jornalista Fernando Brito, acusaram a Folha de ter praticado “fraude jornalística” para favorecer Michel Temer.

A Folha deu uma resposta canhestra, afirmando que divulga o que entende ser “jornalisticamente relevante” em suas matérias. O diretor de Redação acrescentou que uma nova eleição era um desfecho improvável, por isso irrelevante. O problema é que a própria Folha, em editorial (3/4/2016), defendeu a renúncia de Temer e de Dilma e a convocação de novas eleições. Por que isso, agora, teria perdido a relevância?

Se houve fraude ou simplesmente barbeiragem jornalística, está para se verificar. O fato é que um dos principais jornais do País omitiu do público informações cruciais que poderiam, sem dúvida nenhuma, ajudar o leitor a formular seu próprio juízo, de modo a firmar sua decisão frente a um quadro político polarizado e complexo. Em momentos assim, é essencial que a imprensa aferre-se à verdade dos fatos, deixando a interpretação do que é relevante por conta do leitor.

NOTAS

Crédito 1
Folha comete fraude jornalística com pesquisa manipulada visando alavancar Temer, artigo de Glenn Greenwald e Erick Dau; 62% apoiam novas eleições, diz dado que Datafolha publica agora, no El País; Entenda o caso da pesquisa Datafolha, no site Me Explica?

Crédito 2
Depois da polêmica, o jornal publicou os relatórios da pesquisa na íntegra. A ombusdman, Paula Cesarino Costa, escreveu coluna bastante crítica ao comportamento do jornal: A Folha errou e persistiu no erro.

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