Com as eleições chegando é oportuna uma conversa sobre a forma como os meios de comunicação cobrem a política. Esse é um tema que vem sendo estudado e debatido há bastante tempo por jornalistas e acadêmicos, existindo certo consenso que a imprensa cobre o assunto de forma enviesada, dando ênfase a aspectos de pouco interesse para a vida dos cidadãos, mas que provocam frisson no meio jornalístico e entre os personagens das notícias.

Basta observar qualquer das televisões, cujo canal ou programa traz o “news” no nome para observar que a seção mais valorizada é a de “bastidores”, na qual jornalistas costumam jactar-se de sua intimidade com os poderosos: “O ministro tal me disse hoje…”; “O deputado fulano acabou de me ligar…”; “Fiquei sabendo por uma pessoa próxima ao presidente da República…”  Segue-se uma leva de informações dispensáveis, carregada politiquês e de chavões – compreendidas apenas por iniciados.

Os jornalistas se esquecem de oferecer as explicações mais elementares para tornar a notícias compreensíveis. Tampouco se preocupam em dar pistas de qual seria a consequência prática de determinada decisão na vida cotidiana do público que está à frente de um aparelho de TV, atrás da tela do telefone ou segurando o seu jornal.

Mas não é apenas o jornalismo brasileiro a padecer desse mal.

Com o título “Parem de cobrir a político como um jogo”, Dannagal G. Young, professor de Comunicação da Universidade de Delaware (Estados Unidos), publicou artigo no portal da Fundação Nieman abordando a forma como a imprensa americana cobre o assunto. Segundo ele, a mídia trata a política como um jogo de “quem ganha” e “quem perde”, como se fosse  uma “competição entre indivíduos e facções opostas”. Para o professor, isso cria uma e espécie de “distração”, interdita debates importantes de interesse público, e permite que as elites dividam ainda mais o país, criando-se uma espécie de “democracia sem cidadãos”.

Em 2004, o jornalista brasileiro Ricardo Setti já chamava a atenção para o assunto com o artigo “O poder toma conta do noticiário”, mostrando a atenção concentrada do jornalismo político em Brasília (e outros centros do poder), esquecendo-se da vida real. Na sequência, Setti escreve “Jornalismo político exclui o grande público”, artigo no qual expõe vários os vícios de cobertura, entre eles, dar mais importância a questões irrelevantes do que a temas substanciais.

Setti vai ao ponto: “Adoramos cobrir as manobras de bastidores, mesmo as desimportantes, as desavenças internas dos partidos, as picuinhas, o diz-que-diz-que palaciano, o quem-ganhou-quem-perdeu no episódio tal ou na crise qual, as intrigas entre adversários, as alfinetadas entre aliados”. Em consequência, ficam em segundo plano “as decisões, programas e leis que surgem da atividade do Executivo e do Congresso, suas causas, sua real importância e o que, enfim, resultará delas para o cidadão comum”.

Observem que Setti não se exclui ao usar a primeira pessoa do plural  – “Adoramos cobrir…” – ao criticar essa forma de fazer jornalismo. Eu tampouco me excluo.

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Para ler a íntegra dos artigos citados. Ricardo Setti: O poder toma conta do noticiário e O jornalismo político exclui o grande público; Dannagal G. Young: Parem de cobrir a político como um jogo (em inglês).

 

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