“Fica cada vez mais claro que o juiz Sérgio Moro perdeu a imparcialidade para julgar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. (…) Não se entra no mérito da culpabilidade ou não do ex-presidente, mas no direito que todos têm a um julgamento justo e imparcial.”

Escrevi esse trecho no início do artigo publicado na coluna que mantinha no O POVO, o “Menu Político”, edição de 14/5/2017, portanto há dois anos. De lá para cá, repeti a observação em outros textos, no programa “Debates do Povo” e nos comentários diários na “Revista O Povo”, ambos na rádio O POVO/CBN.

Mesmo sem ouvir as conversas promíscuas, ora conhecidas, entre o então juiz Sérgio Moro e o Ministério Público, especialmente o procurador Deltan Dallagnol, já era muito evidente – para quem apenas mantivesse os olhos pelo menos semiabertos para a realidade – que havia uma dobradinha entre acusação e juiz para prejudicar a defesa do ex-presidente Lula. Tal procedimento é proibido pela Constituição brasileira, pelo Código de Processo Penal, pela Lei Orgânica da Magistratura e pelo Código de Ética dos Magistrados, que preconizam que o juiz deve ser imparcial.

Ou seja, o magistrado tem de manter distância equitativa da defesa e da acusação, sem aconselhar ou prejudicar nenhuma das partes. Reparem, portanto, que não se diz “imparcial” no sentido subjetivo que esse termo possa sugerir, mas traduz-se em critérios objetivos, que devem ser seguidos pelos julgadores, sob pena de anulação do processo se o juiz descumprir as normas. Levando-se em conta os diálogos publicados pelo Intercept Brasil, Moro atropelou vários desses preceitos.

Da mesma forma, escrevi e falei, por diversas vezes (quem tiver paciência pode procurar neste blog), que reconhecia os benefícios da operação Lava Jato, que lançaram luz sobre o subterrâneo da corrupção como nunca acontecera antes. Porém, advertia para o perigo de transformar a República de Curitiba em Olimpo e Moro em super-homem ou Deus, autorizados a agir ao arrepio da lei.

Afirmei que usar de ilegalidade para combater outra ilegalidade era um caminho obscuro e inaceitável, que acabaria por prejudicar irremediavelmente a operação, constituindo-se também esse procedimento em atentado contra a democracia. Não se pode usar meios criminosos para combater o crime, caso contrário, a coisas se igualam.

Além disso, por mais benefícios que um funcionário público (seja ele presidente, juiz ou procurador) tenha propiciado com seus serviços, isso não o autoriza a ofender a lei, como se tivesse um crédito pelo seu passado. Cada instante da vida, principalmente para quem dispõe de um cargo público, é uma encruzilhada – e quem o exerce tem de arcar com as escolhas que faz.

A situação agora exposta em toda a sua obscenidade era, ou devia ser, de conhecimento de qualquer foca (jornalista iniciante) que estivesse cobrindo ou mesmo assistindo de longe os excessos de Curitiba, tantas eram as pistas ou “descuidos” deixados na ânsia de condenar Lula e tirá-lo da corrida presidencial, incluindo vazamentos nunca bem explicados.

Da mesma forma, a espetacularização promovida pelo juiz Sérgio Moro e pelos procuradores de Curitiba, transformados em popstars e animadores de torcidas, deveria servir para ligar o desconfiômetro de jornalistas, principalmente aqueles que se gabam de saber tudo de “bastidores”, mas não conseguem, ou não querem, enxergar um palmo diante do nariz. Na verdade, uma parte da imprensa – incluindo alguns colunistas “de grife” – embarcou alegremente na festa do Titanic, ganhando uma passagem para dançar em seu convés.

O país foi tomado por um furor tal, que qualquer ação de Moro era abonada, por mais tresloucada que fosse. Assim foi o caso da divulgação ilegal das gravações da então presidente Dilma Rousseff, áudio captado de forma ilegal. A desculpa é que a conversa tinha interesse público. Mas, pior do que isso, deu-se publicidade a conversas privadas entre dona Marisa e seu filhos, que nada tinham a ver com o processo, como forma de constranger a família do ex-presidente Lula. Nesse caso, tratou-se apenas de mau-caratismo do ex-juiz.

Os evidentes excessos e ilegalidades praticadas por Moro eram todos eram minimizado em nome do combate à corrupção, inclusive por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que tinham o dever de pôr cobro nas atitudes irregulares do então juiz. Assim, chegou-se a um ponto, em que a capitulação foi quase geral; criticar Moro equivalia a promover um atentado contra o país.

Agora, com as revelações das reportagens do Intercept, Moro vem desfilando há vários dias com “A roupa nova do rei”. Entretanto, tenho certeza, a extrema direita bolsonarista continuará a defendê-lo, pois nenhum deles vai admitir que o ex-juiz está nu.