Reprodução do artigo publicado na editoria de Opinião do O POVO, edição de 14/5/2020.

Governo é pequeno para dois salvadores

Bolsonaro e Moro se merecem. De maneira geral, comungam das mesmas ideias políticas na extrema direita ou na suas circunvizinhanças. Ambos considerando-se “escolhidos”. Um quer livrar o mundo da “ideologia de gênero”, do comunismo, do esquerdismo, do globalismo e do petralhismo. Outro, se apresenta como proprietário do cálice sagrado do combate à corrupção. (Mas, para dele beber, teve de chutar várias bolas nas costas da senhora Têmis.)

Como o governo é pequeno demais para dois salvadores, o atrito era inevitável. Moro ousou desafiar o “mito” da malta bolsonariana e foi expulso do Hades (pois aquela barafunda chamada governo está longe de constituir-se um Éden). Agora, anjo caído, é apedrejado pelas mesmas mãos que ontem o afagavam.

Os dois ex-aliados, habituados a atirar pedras no telhado do vizinho, agora trocam tijoladas entre eles. É uma disputa de “narrativas”, que fará Bolsonaro afastar-se ainda mais da possibilidade de coordenar (o que nunca fez) a batalha contra o coronavírus, pois terá de preocupar-se exclusivamente em proteger a sua retaguarda. Para isso, já foi à feira no Centrão, para mercadejar apoios, que jurou nunca fazer, durante a eleição. Mas, como dizem os boleiros: treino é treino e jogo é jogo.

Bolsonaro conta com fiéis generais, subordinados à sua vontade, convenientemente esquecidos do que disseram e ouviram na famosa reunião ministerial acontecida há poucos dias. Conta ainda com fanáticos seguidores, dispostos a repastar qualquer justificativa do “chefe”, por mais alucinada que seja.

Moro parece ter sido abandonado pela claque que o cobria de aplausos como se fora um ídolo pop e o exaltava como super-herói. Os lavajatistas de “raiz” parecem meio tímidos ou temerosos com a violência da milícia digital (ou não) inimiga. Mas não se pode menosprezar a capacidade morista de fazer política. Ele aprendeu rapidamente.

Ainda não se sabe quem sairá vivo desse duelo ao pôr do sol, sem o lado do mocinho. Mas, independentemente do resultado, uma coisa é certa: ambos os contendores sairão escoriados.

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