Judah Rosenthal, personagem do filme “Crimes e pecados”
Há muitos anos elegi Woody Allen um dos meus diretores de cinema prediletos. Nunca perco a oportunidade de ver mais um filme desse americano que, além de diretor, é também roteirista e ator. Alguns dos seus filmes, como, por exemplo, “Interiores” e “A rosa púrpura do Cairo”, vi mais de uma vez. O humor de Allen tem sempre um toque sutil e inteligente, que faz rir tanto quanto faz pensar.
Ontem tive oportunidade de assistir, pela primeira vez, “Crimes e pecados”, filme dirigido e protagonizado por Woody Allen em 1989. Fiquei impressionadíssimo. O filme é, simultaneamente, drama e comédia. O enredo enfoca vários personagens cujas vidas estão parcialmente entrelaçadas. Sem entrar em maiores detalhes, gostaria de destacar aqui apenas o personagem principal, devido a alguns aspectos que me têm provocado desde ontem diversas reflexões.
Judah Rosenthal é um bem sucedido oftalmologista, casado e respeitado por toda a comunidade. Depois de se envolver numa aventura amorosa fora do casamento, Judah se vê em apuros quando a amante ameaça contar tudo à sua esposa, a menos que ele aquiesça em deixar a família para viver com ela. A partir daí, o oftalmologista começa a viver um grande drama de consciência. Procura seu irmão em busca de ajuda. Este sugere que dêem cabo da amante. A sugestão o põe num estado de grande tensão, quando ele começa a recordar uma frase que o pai lhe repetira várias vezes durante a infância: “Nada escapa aos olhos de Deus”.
Um dos momentos mais significativos do filme, para mim, é a cena em que Judah procura Ben, um rabino que vinha se tratando com ele e estava em vias de perder a visão. Quando o médico fala para Ben sobre a proposta de seu irmão para que dessem um sumiço na amante, o rabino questiona o aspecto moral deste ato, uma vez que se tratava de eliminar uma vida. Interpela, então, Judah com as seguintes palavras: “Eu não poderia viver sem a crença em um sistema moral com um verdadeiro significado e perdão, regido por um poder superior. Senão, não há base de conduta. E sei que há uma centelha dessa crença em você também”. E completa: “Acha que Deus não verá?” A essa interpelação, retruca Judah: “Deus é um luxo que não posso me permitir”.
“Crimes e pecados” é um filme com um enredo altamente complexo, permitindo ser analisado sob diversos enfoques. A questão da visão, por exemplo, permanece como pano de fundo do começo ao fim. Já no início do filme ela é anunciada num discurso proferido por Judah, em que ele estabelece uma relação entre a frase repetida pelo pai, que o médico levaria consigo pela vida afora, e o fato de ter escolhido a oftalmologia como profissão. Ben, o rabino, sofre de um problema de vista degenerativo, vindo a cegar no final, sendo, por isso, privado de ver o casamento da filha.
A melhor análise que se pode fazer, porém, é do ponto de vista religioso. Quanto a isso, eu diria que o final da história promete algumas surpresas que provocam muitas reflexões. Enquanto assistia “Crimes e pecados”, por mais de uma vez me veio à lembrança uma entrevista de Ariano Suassuna, na qual ele afirma que decidiu acreditar em Deus no dia que leu uma frase de Dostoievski em que o escritor russo dizia que, se Deus não existe, então tudo é permitido.
Mas, indago a mim mesmo ao pensar no desfecho de “Crimes e pecados”, será mesmo verdade que “Nada escapa aos olhos de Deus?” Haverá, de fato, um ser superior que pune os crimes e pecados e premia a virtude?… ? … ? …