Agostinho foi professor de retórica; é dotado de sutil intuição psicológica, de um poderoso fascínio e de uma excepcional capacidade de domínio de si e do público; de uma cultura teológica vasta e profunda; tem um zelo pastoral altíssimo e íntima familiaridade com seu público. Dados esses pressupostos, compreende-se que para o maduro Agostinho é suficiente como preparação a oração e um pouco de reflexão antes da pregação. (…) A pregação frequente (como bispo prega uma vez por dia e, às vezes, ainda mais), seu temperamento nervoso e sua inteligência exuberante mal o predisporiam a uma preparação prolongada de seus sermões. A impressão que nos causa a leitura de seus discursos é exatamente a que expressamos acima; acrescente-se a isso que a relação constante e íntima com o mestre interior é fonte inexaurível de pregação, tanto mais que Agostinho frequentemente muda seus discursos em oração dirigida a Deus.

Ottorino Pasquato

[Pasquato, Ottorino. Verbete: Santo Agostinho. Em: Sodi, Manlio e Triacca, Achille M. (orgs.) com a colaboração de 195 peritos. Dicionário de Homilética. Apresentação de S. Emª. o Cardeal Silvano Piovanelli, Arcebispo de Florença; prefácio de Sergio Zavoli, Jornalista e escritor; tradução Orlando Soares Moreira e Silvana Cobucci Leite. São Paulo: Paulus: Loyola, 2010, p. 24.]

No verbete sobre Santo Agostinho, escrito para o Dicionário de Homilética, Ottorino Pasquato se refere à relação do bispo de Hipona com o mestre interior. Essa relação era tão íntima e dotada de tanta força e poder, a ponto de levá-lo, em algumas ocasiões, a modificar suas homilias quando assim se sentia motivado após postar-se em oração, ocasião em que entrava em contato com esse mestre.

A exemplo de Santo Agostinho, também acredito que todos nós temos um mestre interior. Este mestre nos é sempre acessível, desde que saibamos como contatá-lo. Desse ponto de vista toda vida segue uma direção, um itinerário, que aponta para um determinado fim ou objetivo. Em resumo, estou querendo dizer que a vida tem um sentido, que não estamos aqui por acaso. Creio, de fato, que todos temos uma determinada missão a cumprir.

Às vezes hesito um pouco em usar esse vocábulo, missão, quando trato deste assunto, porque o considero carregado de um peso valorativo muito denso. Quando se fala em missão pode soar como algo que temos obrigatoriamente que cumprir. Bem, até onde vai a obrigatoriedade, não posso afirma-lo, mas, ainda assim, pressuponho uma meta para toda existência individual. Talvez no cumprimento de tal meta reste algo para a livre escolha, a autodeterminação, mas quando se observa uma vida em seus detalhes, quando se começa a montar as peças do quebra-cabeças, percebe-se uma coerência tal que não dá para desacreditar que aquela vida não tenha cumprido um propósito, realizado uma meta que somente a ela cabia.

Partindo do pressuposto de que temos uma meta a cumprir, podemos passar ao segundo tópico do nosso texto, qual seja, como tomar consciência de qual é a meta que cabe a cada um de nós. Se temos, de fato, um objetivo, digamos, uma missão que nos foi confiada, para que a realizemos temos que estar cientes de qual seja ela. Essa clareza, no entanto, talvez a maioria de nós não tenha. Discerni-la, portanto, é o primeiro passo para que possamos dar conta dela da melhor forma possível.

É aí que entra em cena o importante papel do mestre interior. Quando conseguimos acessar esse mestre, pode-se ter certeza de que novas e promissoras possibilidades se abrem para nós. Isso porque ele, o mestre interior, é fonte de uma grande sabedoria e conhecimento. E toda essa riqueza, não se tenha dúvidas, está lá, adormecida em nosso interior como se fosse um baú que guarda um tesouro de inestimável valor. Uma vez que contatemos o mestre interior, o baú é aberto e o tesouro nos é mostrado. E qual é esse tesouro?

Ora, conforme a tradição, todos sabemos que o acesso aos tesouros em geral começa pela descoberta de um mapa que lhes indica a localização. Pois bem, em se tratando do mestre interior, o tesouro maior que ele nos proporciona é o mapa da jornada que cada um de nós deve cumprir ao longo da vida. Uma vez tendo estabelecido o contato com ele, resta-nos seguir as instruções que iremos recebendo ao longo da rota. “Mas como fazer para entrar em contato com esse mestre?”, indagarão alguns leitores. A essa pergunta responderíamos que existem expedientes para isso. Um deles, provavelmente um dos mais eficazes, é exatamente aquele de que se valia Agostinho de Hipona, a oração.

About the Author

Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

View All Articles